Fantasticontos, escritos e literários

Blog para contos de ficção científica, literatura fantástica e terror

Sobre o cheiro das papoulas


Papoulas paisagem14_ampliacao

 

 

 

 

 

Conto produzido por Walter Crick do site www.minusculasmanivelas.blogspot.com 

Caminhava cá, sozinho e desolado no meio da grama verde no campo de papoulas. Ao meu redor, campinas secas compunham uma funesta cena, com galhos nus dançando um réquiem fluido sobre a luz escassa da lua incidindo sobre eles; causando sombras assustadoramente enormes, batendo em minha cabeça e reverberando sobre os blocos de concreto, jorrando terror em meus olhos cansados.

Andei até chegar a uma clareira sóbria, com um fracassado clarão ao meio, estagnado sobre um dos retângulos sólidos cravados no chão.

Olhei a lama intercalada às folhas selvagens que insistiam em crescer no solo adubado naturalmente. Subi o olhar, que encontrou uma placa metálica talhada com escritos oxidados pela ação do tempo.

“A MORTE É SOMENTE MAIS UMA PASSAGEM NO CAMINHO DA VIDA. MORRER É FÁCIL. DIFÍCIL É AGUENTAR O PESO DE VIVER.”

Condolências foram dadas aos nomes que eu nem ao menos conhecia, até que me postei de pé lentamente, com olhos marejados de lágrimas contidas e sofridas. Uma dor silenciosa afagava-me a alma, e lentamente sorri perante a temerosa situação.

Mais alguns passos difusos entre os túmulos descascados, pisando em pedras estáticas e dispersas, enterradas pelo coveiro para compor um caminho entre as sepulturas. O rosto frio e bem barbeado estava lambido em águas salgadas, cheias de saudade.

Sussurrei à pedra imóvel à minha frente.

-Ah! Quanta saudade que me irrompe do coração! – Olhei aos céus e fundei uma linha direta entre mim e os que me aguardavam lá em cima. –Dores que me ferem com fervor.

Deixei que rolassem lágrimas a meu corpo já quente perante as emoções que sentira.

-Bob? – Assustei-me e pulei em resposta, com a cabeça atravessada no córtex temporal e as gotas secas cravando as garras em meu rosto pálido e assustado.

Virei-me de súbito.

Nada além da luz do luar sobre os mausoléus centenários. Por que deveras eu estava em um cemitério à essa hora da noite?

-Bob? – Chamou-me novamente uma voz, vinda de trás de meu corpo agasalhado, tremendo de medo.

Corri o olhar pela relva rala abraçando-me os pés.

Subiu-me lentamente às narinas um cheiro áspero e constrangedor, contando os nervos olfativos e fustigando lhes a humanidade. Um gosto azedo de movimentos antiperistálticos veio à boca, oriundo de um esôfago incomodado. Tapei com as mãos o mal das palavras, evitando o escapar do conteúdo ácido.

O criquetear dos grilos ao redor foi arrebentado pela voz masculina, sequestrando o silêncio para si.

-Bob? – Desta vez pude distinguir a origem do som. Recolhi-me ao interior do envoltório carnal que eu chamava corpo. Surrado pela vida.

Reconheci após alguns segundos o dono daquele timbre inconfundível, meu tão amado amigo Charl, que não só foi inseparável, mas também tornou-se quase um irmão para mim.

-Bob? – Chamou-me novamente, e pude responder ao chamado.

-Charl? – Um silêncio suicidou-me de angústia, até o momento em que pude vê-lo com meus olhos desnudos.

-Bob! – Chamou-me meu velho amigo, com um sorriso sarcástico e emblemático gravado no rosto. Seu corpo branco arquejava com volúpia, e as vestes impecavelmente postas no corpo deixavam-no com a pompa e a circunstância de um antigo lorde inglês.

O smoking negro agarrava-se a seu corpo definido, exatamente da forma como o vira da última vez. Era seu casamento. A gravata borboleta estava torta, absolutamente fora do prumo. Diverti-me com a visão do velho amigo à minha frente, mesmo que a alguns pequenos metros se estendendo por entre os blocos de concreto.

-Quanto tempo… – Estendi os braços para recebe-lo com afeto.

Sem respostas.

Um passo curto à frente. Ele respondeu com um passo longo passa trás. Dois adiantados, dois atrasados. Uma pequena disparada. Ele tropeçou ao relento, e levantou-se de soslaio.

Abriu-se em minha mente um leque de raciocínios, deixando-me perplexo. Prefiro não comentar.

Tentei somente conversar com ele. Não deu.

-Charl, por onde esteves?

Ele desceu os olhos por meu corpo preocupado, percorrendo-o com a visão de cima a baixo. Virou as costas lentamente, puxando-me instintivamente junto a ele. Mantive distância, já que era isso que ele queria, pelo jeito.

Cautelosamente, fomos nos dirigindo novamente ao espaço que estávamos antes, desta vez um pouco mais ao fundo. Duas quadras à frente, uma à esquerda, duas à frente, três à direita e mais uma para trás. Charl parou, olhando ao chão.

Nada, somente lama.

Virou o rosto a mim. Uma lágrima fluida escorria de seu rosto. Virou-se ao chão, certificando-se se que eu o estava seguindo com o olhar. Percebi a capela ao fundo, atrás do homem de smoking negro.

Ajoelhei-me praticamente a seus pés, os olhos ainda vidrados no chão. Vi algo brilhar na escuridão, e mergulhei as mãos na lama gelada, indo de encontro a uma superfície sólida. Arrastei a mistura natural de terra e água para uma vala funda a cerca de um metro, isto tudo com minhas próprias mãos ásperas.

Apareceu lentamente um conjunto de signos impressos na pedra. Levei a mão à boca, sugando o ar frio a meu redor, alarmado. Talhadas na lápide suja e enterrada no chão, pude ler as palavras que me cortaram como uma faca afiada.

CHARL CHIP JOHNSON

“A MORTE ESPERA ANSIOSA PELO FIM DA VIDA”

NASCIDO EM: 03/10/1989

DATA DO FALECIMENTO: 04/04/2014

Arquejei e caí para trás. Virei minha cabeça, branca e pálida como neve, para a porta da capela escancarada na escuridão. As tábuas amadeiradas do chão do tempo rangiam, sufocando o silêncio.

E meu coração não tardou a falhar, visto que já o fizera três outras vezes. A dor veio primeiro. Pus a mão no peito e urrei. Depois, tudo ficou turvo, embaçado, e inúmeros pontos brancos tomaram conta de minha visão, deixando-me lentamente paralisado.

Titubeei…

E sob a confusão que se passava em meu campo de visão, eis que reaparece à porta da igrejinha o amigo morto.

Fui levantar-me às pressas, tentar correr, porém a lama escorregadia levou-me junto com o coração moribundo à cova ao lado. Bati as costas no chão duro e molhado, não antes de mergulhar em uma pocilga fétida de lama e corpos em decomposição. Gemi, com a mente em chamas. Engoli uma água enlameada, barrenta, que havia se acumulado por ali.

Gosto de morte…

Lembrei-me dos versos de Augusto dos Anjos. “Acostuma-te com a lama que te espera.”

[E sob a mesma luz que cheguei,

parti.

                                               Rumo a meu destino

                                                                                  Digerindo a morte! ]

Sabor amargo…

Um conto de Walter Crick

Imagem meramente ilustrativa obtida no site http://raqueltaraborelli.com/portugues

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Publicado em 6 de outubro de 2014 por em Contos.

A saga de um andarilho pelas estrelas

DIVULGAÇÃO A pedido do autor Dan Balan. Sinopse do livro. Utopia pós-moderna, “A saga de um andarilho pelas estrelas” conta a história de um homem que abandona a Terra e viaja pelas estrelas, onde conhece civilizações extraordinárias. Mas o universo guarda infinitas surpresas e alguns planetas podem ser muito perigosos. O enredo é repleto de momentos cômicos e desconcertantes que acabam por inspirar reflexões sobre a vida e a existência. O livro é escrito em prosa em dez capítulos. Oito sonetos também acompanham a narrativa. (Editora Multifoco) Disponível no site da Livraria Cultura, Livraria da Travessa, Editora Multifoco. Andarilho da estrela cintilante Por onde vai sozinho em pensamento, Fugindo dessa terra de tormento, Sem paradeiro certo, triste errante? E procurar o que no firmamento, Que aqui não encontrou sonho distante Nenhum outro arrojado viajante? Volta! Nada se perde com o tempo... “Felicidade quis, sim, encontrar Nesse vasto universo, de numerosas, Infinitas estrelas, não hei de errar! Mas ilusão desfez-se em nebulosas, Tão longe descobri tarde demais: Meu amor deste lugar partiu jamais!”

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Bom dia.
Aproveito este espaço para divulgar o livro da escritora Melissa Tobias: A Realidade de Madhu.

- Sinopse -

Neste surpreendente romance de ficção científica, Madhu é abduzida por uma nave intergaláctica. A bordo da colossal nave alienígena fará amizade com uma bizarra híbrida, conhecerá um androide que vai abalar seu coração e aprenderá lições que mudará sua vida para sempre.
Madhu é uma Semente Estelar e terá que semear a Terra para gerar uma Nova Realidade que substituirá a ilusória realidade criada por Lúcifer. Porém, a missão não será fácil, já que Marduk, a personificação de Lúcifer na Via Láctea, com a ajuda de seus fiéis sentinelas reptilianos, farão de tudo para não deixar a Nova Realidade florescer.
Madhu terá que tomar uma difícil decisão. E aprenderá a usar seu poder sombrio em benefício da Luz.

Novo Desafio EntreContos

Oi pessoal, o site EntreContos - Literatura Fantástica - promove novos desafios, com tema variados sendo uma excelente oportunidade de leitura. Boa sorte e boa leitura.

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