Fantasticontos, escritos e literários

Blog para contos de ficção científica, literatura fantástica e terror

Eight Barrabás – Parte final – Barrabás


A noite estava agradavelmente fria em Atracta e sentado na varanda do apartamento, com as luzes apagadas, olhava ao longe o mar agitado.

– Como os anos passam rápido – disse Roiter casualmente em direção à figura sentada na outra poltrona e que parecia se encolher com o vento frio e úmido que vinha do oceano.

K’Syr pegou algo indistinguível, mordeu e começou a mastigar lenta e prazerosamente. Pegou mais uma daquelas gostosuras e depois de comer ficou olhando para Roiter na escuridão.

– Em que está pensando Guiiu?

Ele não respondeu de imediato.

– Nada… nos meninos, não sei.

K’Syr se levantou e olhou o mar. Quanta água, pensou. Como são afortunados esses nativos. Olhou para Roiter e passou a mão em seus cabelos, a sensação de maciez a deliciava. Sempre admirou aquele sentimento de lealdade que ligava alguns grupos de humanos, principalmente os que tinham grande duração.

– Vou dormir – disse K`Syr

Pegou mais um daqueles frutos secos e amargos do seu mundo natal e comeu. Entrou e deitou. Em segundos dormiu profundamente.

Roiter a observou por alguns instantes e se acomodou na cadeira. Os seus pensamentos estavam muito longe naquele momento, no passado, em um grupo de garotos que não existia mais. Estava relaxado e suas lembranças vinham com em um sonho, de um mundo que acabou. Conforme relaxava, mais e mais as lembranças afloravam e iam tornando-se mais reais, como uma realidade momentânea.

Como havia chegado ali?

Lembrava-se de seus amigos, cada um deles, como se estivessem ali, agora.

Quase podia tocá-los se esticasse as mãos, mas eram só lembranças e como em outras inúmeras vezes se deixou levar, e em um misto de sono e realidade revivenciou em sua mente o passado.

Heliomar Carlos Roiter caminhava pela rua na manhã de domingo. Planejou com antecedência o seu dia: ir à padaria a pedido de sua mãe comprar pão e mais alguns itens que lembrasse, voltar para casa, aguardar os colegas chamarem e ir para uma merecida manhã de futebol. Depois praia, almoço em casa e ver tv com os pais. À noitinha já tinham programado ir ao cinema. O dia estava lindo e o planejado era aceitável.

Eram um grupo de onze garotos, um time de futebol sem reservas, como costumavam dizer.

Do bairro onde moravam até o campinho era cerca de 30 minutos mais ou menos de caminhada para a praia, dependia muito da seriedade com que se deslocavam, se ficassem de sacanagem uns com os outros demorava mais, se tinham algum jogo importante, gastavam menos tempo.

Além de jogarem futebol no mesmo time eram amigos e muitas vezes ficavam brincando uns com os outros, contando lorotas e, por estarem quase todos no mesmo período escolar, apesar de alguns em escolas diferentes, liam os mesmos livros de histórias e ou de estudos e faziam perguntas uns aos outros. Heliomar adorava aqueles momentos.

 – Na prova que fiz ontem disse Arlindo sentado no gramado logo depois do jogo tinha uma pergunta meio idiota, mas acho que errei – falou meio cabisbaixo.

Qual era? Perguntou Sergio.

Quando terminou a grande guerra mundial e quando foi explodida a primeira bomba atômica?

 – Porra Lindão – disse Pedro em voz alta tentando superar às dos demais colegas que começavam a rir Acabou em janeiro de 1947 e foi explodida na União Soviética pelos Americanos.

A explosão de risos e apupos dos outros e diversos comentários tolos ditos pelos demais.

 – Terminou em 1945 e foi explodida no Japão – disse Lucius ao amigo envergonhado.

 –  E você teve dificuldade nisso? Perguntou Lucius incrédulo.

Atila, Marcelo e Caio precisaram sentar no gramado. Choravam de tanto rir. Já Pedro Paulo, o PP, e Tulio, ficaram sem entender o que havia acontecido apesar de rirem também.

Todos riam da bobeira do Lindão. E novamente os onze, como eram conhecidos na região onde ficavam as ruas onde moravam, falavam e gritavam quase ao mesmo tempo em uma algazarra que apenas garotos entre 14 e 17 anos sabiam fazer.

A grande questão – falou Sérgio – é o porquê? Tinha essa pergunta Lindão?

– Tinha sim, Sergio.

– Bem – continuou Sergio – se já haviam praticamente vencido a grande guerra, apesar de sua economia, assim como as demais economias da Europa, África, Austrália e Américas estarem arrasadas, por que continuar? A resposta era economia. No final, depois de seis longos anos se tornou uma guerra sem sentido.

E quem se importa hoje com isso falou Carlos José ou CJ para a turma gente, foi há oitenta anos. Dico você é muito chato com esse negócio de história. Exibido!

– É a nossa história, seu imbecil. E são setenta e cinco anos. – falou Sérgio irritado.

Sérgio ou Dico para amigos e família apenas riu do irmão mais novo enquanto ele continuava reclamando em voz baixa.

Saíram da área dos campinhos depois do jogo e foram para a praia. Na praia, além de ficar pegando jacaré gostavam de olhar os surfistas nas ondas mais no fundo ou então o quebra-mar recém-construído de pedras.

Vamos no cinema de tarde, ou não?

 – Eu voto sim disse Vando que se levantou e saiu correndo em direção ao mar.

Novamente uma gritaria de sims e nãos além da costumeira algazarra que chamava a atenção das outras pessoas na praia que se riam do grupo de meninos. Então algo estranho começou a acontecer na praia.

O que é que houve? Perguntou CJ para-Lino.

Os outros garotos também perceberam uma movimentação estranha. Diversas pessoas com seus celulares nas mãos, pegando suas coisas, mães gritando com seus filhos na beira d’água, em alguns casos limpando a areia das crianças, outros simplesmente arrastando-os pela areia escaldante de meio dia.

Muita gente estava indo embora. Algo estava acontecendo e precisavam saber do que se tratava. Fosse o que fosse, pensou Heliomar, estava estranho.

Conseguiram a resposta de um vendedor de picolé que informou sobre a queda de um objeto vindo do céu na Nova Zelândia e que outros haviam sido vistos em diversos lugares do mundo. Decidiram ir para casa, afinal o plano deles era ir ao cinema depois.

Nada mais parecia normal para eles, o final de sábado se tornou um suplicio. Os transportes estavam lotados e resolveram ir caminhando, deixando os garotos da turma cada um em suas casas até que ao final só ficaram Lucius e Heliomar. Lucius sabia que o melhor amigo estava de mudança pra outra cidade.

Você já sabe quando vai mudar? – estou falando contigo ô babaca.

Percebeu que Heliomar olhava fixamente para um ponto luminoso no céu que piscava.

– O que é aquilo? – perguntou Heliomar apontando para o céu.

Ambos ficaram olhando o céu em um ângulo de 45 graus. Pontos estranho piscavam exibindo diversas cores.

Deve ser um avião – falou Lucius.

– Avião voa, não fica parado, idiota.

Heliomar estava certo, o ponto luminoso não se movimentava e emitia padrões coloridos em verde e vermelho alternadamente. Ficaram observando enquanto o objeto passou a ziguezaguear aleatoriamente até parar de repente.

Então desceu sobre a cidade até sumir de suas vistas atras de uma mangueira alta. Subiu inesperadamente até voltar para o mesmo lugar e depois se afastou e voltou ziguezagueando outra vez.

– Olha aquilo – apontou Lucius para outro ponto brilhante acima da cabeça de ambos – É uma estrela?

– Brilhante demais – falou o outro – parece que o sol está refletindo em alguma coisa grande que está perto.

Ainda ficaram olhando os objetos no céu por alguns minutos até desaparecerem e a mãe de Lucius chamar.

Heliomar acompanhou de casa a mudança climática ocorrida naquela noite, a chuva e o frio fora de época e a intensa neblina que caiu no bairro de madrugada seriam suas últimas lembranças da casa e da rua algo diferente pensou. Mas as luzes brilhantes não saiam de sua cabeça.

Lucius acordou no dia seguinte com um alvoroço muito grande dentro de casa. Sua mãe gritava alguma coisa para o marido. Ele se levantou e viu que a mãe tinha o irmãozinho de dois anos no colo e dizia algo ininteligível para o marido que estava no lado de fora da casa. Subúrbio é assim, pensou.

Mas algo estava errado e ele percebeu, foi andando até a outra janela da sala e viu que muitos vizinhos estavam na rua olhando e apontando em direção ao centro. Ele foi até o quarto colocou um short, uma camiseta, calçou o tênis e saiu também para ver uma das coisas mais incríveis de sua vida. Um objeto rochoso enorme em forma de cilindro pairava por entre as nuvens ralas em cima cidade. Era realmente grande e estava parada, sombreando toda a cidade.

– Tenho que falar com a turma – disse ao marido da mãe que estava a seu lado.

Quando ia falar com a mãe sobre ir falar com os outros garotos, viu CJ, Dico e Vando pedalando apressados em direção ao centro da cidade, só parando quando ele gritou os nomes deles. Lucius saiu correndo até onde eles estavam.

– Vamos pra cidade ver aquela coisa de perto, Lu – disse CJ visivelmente excitado – vai com a gente?

– Espera.

Lucius voltou correndo para onde a mãe e o marido dela estavam e pediu para ir com os meninos.

O marido dela fez algo que nunca havia feito, ele se intrometeu e disse não. Antes que pudesse reclamar sua mãe falou para ele pegar umas roupas o mais rápido que pudesse que eles iriam para a casa do tio.

Lucius foi até onde os colegas estavam e disse que não iria. Um deles ainda o chamou de bundão e saíram pedalando pela rua, entre os carros que se aventuravam sair naquela manhã estranha, na direção da cidade. Foi a última vez que os viu.

Ainda olhava os amigos se afastando quando Tulio pegou-o pelo braço. Parecia muito assustado enquanto perguntava sobre a coisa em cima da cidade.

– O que é aquilo, mano – seus olhos cruzaram com os de Lucius – olha o Lindão alí – apontou para um garoto meio perdido na multidão de pessoas que zanzavam de um lado para o outro meio sem saber o que fazer, ou procuravam por alguém ou fugiam.

Os três ficaram parados olhando por um tempo a gigantesca rocha cilíndrica.

– Ele parece rodar lentamente sem parar – comentou Lindão.

Não houve resposta por parte dos outros.

Um enorme estrondo nos céus anunciava a chegada de mais um par de objetos piramidais rochosos, bem diferentes, visivelmente menores, que se colocaram ao lado da cilíndrica.

Depois de um certo tempo alguns caças chegaram e começaram a circular as aeronaves gigantescas, chegaram também tropas de solo. Parece que as pessoas começavam a entender que em breve a cidade se tornaria um campo de batalha.

Heliomar estava trancafiado junto com os pais dentro de casa. Seu pai não tirava os olhos da televisão, enquanto que a mãe procurava pegar roupas, comidas e outras coisas para uma fuga. Pararam  e ficaram vendo as noticias sobre os objetos, muitas informações desencontradas dos diversos canais na televisão. Ao meio-dia as redes de comunicação informaram que uma cidade na península arábica havia sido destruída e pedia para os cidadãos deixarem “calmamente” as cidades grandes.

Em seguida todos os canais informaram que a maioria das grandes cidades do planeta estavam sob ataque e que algumas haviam sido dominadas  e outras destruídas. Milhões de pessoas foram mortas nos ataques.

Informaram que a invasão era global.

Minutos depois disseram que houve rendição de alguns governos, mas que outros já estavam lutando contra os invasores. Disseram que os invasores exigiram a dissolução de todas as forças armadas existentes e destruição dos arsenais em todos os países. Informaram também que quatro das maiores cidades do mundo haviam sido destruídas.

Nas ruas do bairro o caos naquele instante tomava conta. Os pais de Tulio o haviam achado e o levaram embora, estavam saindo com pressa da cidade. Lucius sabia que sua mãe a essa hora já estaria com tudo pronto para partirem.

Vai com a gente Lindão. Não fique aqui não – pediu para o amigo acompanhá-lo. Como ele não respondia, arrastou-o pelo braço no meio da confusão até em casa e avisou ao marido da mãe que o amigo iria junto. Mais uma vez foi surpreendido ao ver que o marido dela abraçou o garoto e disse para entrarem rápido no carro.

Todos os meninos da turma sabiam que Arlindo nunca conheceu o pai e sabiam também que sua mãe o havia abandonado há meses. Ele vivia sozinho em um quarto, em cima do depósito de bebidas em que trabalhava depois da aula.

O primeiro ataque foi cerca de uma hora depois de saírem de casa.  Os objetos rochosos pequenos já haviam se afastado em direção ao mar e o cilíndrico enorme subira lentamente em direção ao céu. Foi dele que veio o ataque.

Heliomar e sua família haviam seguido a risca a ordem de sair das grandes cidades e estavam presos em uma das rodovias de saída e distantes o suficiente, para verem uma luz vermelha chegar do céu, de algo que estaria em órbita, e cobrir grande parte da cidade. Não houve explosões gigantescas. Apenas a luz e a destruição.

As explosões que aconteceram eram pequenas e pareciam vir dos prédios destruídos e residências em chamas. Aquele disparo ficou conhecido como o raio da morte. Centenas de milhares de pessoas morreram em menos de um segundo.

Ao longe ouvia-se disparos dos soldados, mísseis disparados de aviões e navios, voando em direção aos novos cilindros rochosos gigantes dos céus. Um dos misseis atingira um dos cilidros menores em cheio e o derrubara.

Mesmo de longe escutavam os estrondos de mais astronaves chegando, um deles praticamente em cima de onde estavam. Depois descobririam ser a terceira espécie a entrar no planeta Terra, eram os novos irmãos” que haviam chegado. Chegado para ficar.

Os BGads haviam feito o ataque inicial, depois se soube que não podiam respirar o ar do nosso mundo. Trouxeram com eles os Uks – criaturas cruéis que viviam em uma das luas de seu planeta natal e é claro os Kaltonianos, seus aliados milenares.

O homem despertou com a mão fria da mulher em seu ombro chamando-o para entrar. Dois fatos foram importantes e ele nunca esqueceu.

Primeiro que ao cair daquela noite terrível, centenas de milhões de humanos estavam mortos. Milhões de pessoas solitárias e de famílias perambulavam por estradas, matas ou aglomeravam-se em grandes acampamentos improvisados. Eram os novos refugiados.

Segundo fato, foi a notícia da rendição incondicional de todos os países, após algumas cidades terem sido arrasadas.

Roiter jamais esqueceu também dos pacotes de biscoitos para enganar a fome e da garoa fria e fina que caia, seguida da névoa que dançava ao sabor do vento, vista por lanternas e pelos faróis dos carros. Mas lembrava principalmente de uma frase de seu pai. Ele dissera que agora eles precisavam se juntar para se organizar e tentar resistir para não morrer.

Carlos sempre se entristecia ao lembrar dos meninos. Dos onze, apenas quatro haviam sobrevivido até aquele dia.

Entrou para o quarto e viu que sua mulher dormia. Sentou-se na cama puxando a coberta até a cintura e continuou a pensar nos B`Gads e nos “novos irmãos”.

*****

Carlos Roiter estava desesperado para entrar em casa. Havia saído da torre de trabalho Delta9 já tarde da noite e não teve o menor interesse em usar o bug que foi disponibilizado pelos Kaltonianos. A confusão era total entre a Guarda Governamental, a Força de Ocupação e a A`Bkjria.

Incompetentes, pensou.

Informações diziam que uma frota B`Gads estava vindo atacar o planeta e avisaram aos kaltonianos para evacuarem o mais rápido que pudessem. A essa hora os rumores dos ataque já haviam sido repassadas pela web oficial kaltoniana e é claro pela dark web usada pelos humanos.  As cidades ao redor do mundo deveriam ser um caldeirão a beira da explosão neste momento.

Fosse o que fosse, ele era apenas o Governador de Atracta. Havia mais de mil Cidades – Estado no planeta e a maioria com seis digitos em termos de habitantes. O problema não era só dele.

Eram informações desencontradas e ele não iria causar pânico na população da cidade àquela hora da noite. Se alguém tivesse que soar as trombetas, que fossem os kaltonianos ao avisar seus mais de dois milhões de cidadãos. Ou eles iriam deixá-los morrer com os humanos? Os bugs kaltonianos saiam em disparada aquelas horas. A guarda governamental o levaria para casa no móvel oficial.

Entrou em casa e como de costume tirou os sapatos no mud room, abriu a cortina da sala que dava para a varanda. Olhou para um módulo eletrônico na parede que um dia foi uma IA e sorriu. Barulhos na frente da casa indicava que alguém chegava e pelas vozes agitadas eram sua mulher e a irmã de ninhada dela. Reconheceu as vozes antes mesmo delas entrarem.

Um pensamento vago passou por sua cabeça de que aquela noite teria que comer comida Kaltoniana. Um leve enjoo no estômago começou, mas lembrou-se que sempre podia cozinhar. Além disso tinha um convite para tomar umas e outras com os “meninos” mais tarde. Sorriu e foi encontrá-las.

K’Syr e K’Xiar sorriram ao vê-lo e foram logo para a grande varanda da casa que terminava na areia da praia.

– Viemos falar com você humano – disse K’Xiar com o meio sorriso de sempre.

– Maravilha – Carlos falou – já estou indo para a cozinha fazer alguma coisa. Estão com fome?

– Não temos tempo para isso Guiiu – K’Syr  estava muito calma.

 Roiter lembrou-se de tê-la visto assim algumas vezes quando começaram a se conhecer. Pegou uma travessa de comida congelada sem nem mesmo olhar o conteúdo, afinal só tinha em casa o que ambos pudessem comer, e colocou no forno.

O que será que queriam desta vez? Mais terras para abrigar kaltonianos como da última vez? Ou saber se haveria mais espaço para mídias kaltonianas na cidade? O que seria? Ou será que o ataque dos B`Gads era verdade e elas  estavam ali para falar sobre isso.

K’Xiar estava na varanda olhando para o mar ao longe enquanto a lua estava alta no céu nublado. Então ela olhou para a irmã em busca de aprovação e perguntou.

– Queremos saber humano, como um grupo tão violento como o Eight sobreviveu tanto tempo? Quem criou essa monstruosidade? E o lider deles? Blue?

Ela estava muito nervosa. Roiter nunca a tinha visto assim.

– Vocês serão punido pelos B`Gads pela ousadia desses lunáticos. Uma frota inteira está vindo para cá. Porque não os entregam?

K’Xiar ficou olhando para o rosto dele por um tempo como se procurasse uma lembrança, ou algo que fosse mais que familiar.

Desde que o conheceu, ele era o vice gevernador da cidade na época, tinha a impressão de já tê-lo visto em algum lugar. Depois que sua irmã e ele começaram a se relacionar esqueceu completamente daquilo.  Afinal ele era o escolhido de K’Syr. Mas algo em seu rosto naquele momento fez com que lembranças viessem à tona.

Roiter olhava para o watch e mexia nele enquanto ela formulava as perguntas. Então ele deu tres toques no aparelho que não saia de seu pulso e sorriu.

– Creio que sou a pessoa errada para se fazer essas perguntas. Afinal, estou do seu lado – disse Roiter e riu alto.

– Queremos saber a sua opinião Guiiu, é muito importante para nós – disse K’Syr séria – Recebemos ordem de evacuação imediata. Não conseguiremos retirar nem dez porcento da nossa gente antes da chegada da frota B`Gads.

– Nós duas recebemos ordens para retirar. Voltar para Kaltor –  disse K’Xiar.

As irmãs se olharam por alguns instantes.

– Eu não vou – K’Syr olhava para a irmã que colocou a única mão no rosto.

Carlos Roiter pensou por um instante se elas estariam ali como oficiais da A`Bkjria e da Força de ocupação? Como deveria tratá-las? Ele era o Governador e elas nunca poderiam perguntar aquilo oficialmente a ele. Nem mesmo K’You poderia. Não importava que situação fosse. Balançou a cabeça e colocou mais um copo de vinho kaltoniano e bebeu aquela água grossa.

– Eu não tenho opinião, mas posso contar uma história. A que eu vivi, serve?

Ambas disseram que sim.

Ele apontou as duas poltronas da varanda e se sentou no parapeito de madeira que separava a areia do piso.

Quando vocês chegaram, os B’Gads haviam atacado impiedosamente e soltado seu exercito de caçadores e os Uks para dominarem o planeta.

Centenas de milhares deles foram desembarcados e ocuparam nossas cidades. O objetivo principal era subjugar a raça humana e destruir toda nossa tecnologia, toda nossa rede de comunicação e matar todos os que se rebelavam contra isso.

Apesar de vocês kaltonianos terem algumas naves em órbita, só desembarcaram quando eles haviam “pacificado” o planeta, quase um ano depois.

Naquele periodo, muitos grupos de resistência ou terroristas foram criados mundo afora. Afinal, o que vocês esperavam?

As forças de ocupação dos B`Gads foram muito eficientes por um tempo. O primeiro episódio foi com os Uks que eram nosso terror no início e que depois descobrimos serem a comida predileta dos nossos felinos. Quanto maiores os gatos mais Uks morriam

Olhava as duas mulheres nos olhos naquele momento.

Bem – continuou – então alguns grupos de resistência na África do Sul descobriram que tipos de gases venenosos atravessavam a armadura dos caçadores e aí começou o caos para os B`Gads. Eles matavam aos milhares e morriam aos milhões. Quando eles perceberam, não tinham mais caçadores aqui. Aí começaram a segunda leva de ataques contra as cidades, mas voces já estavam aqui e o risco era grande. Foi quando os B`Gads decidiram deixar o espólio para vocês. Afinal, o planeta era pequeno para tres espécies invasoras, mesmo sendo apenas duas inteligentes. Os Uks desistiram logo. Chego a pensar se não seria uma boa ideia mandar alguns gatos para a lua de onde eles vieram?

As duas mulheres se olharam mas não falaram nada sobre o comentário.

Quando vocês Kaltonianos chegaram, começaram a verdadeira colonização. Milhares chegavam de cada vez, fundando suas cidades e depois então escolhendo viver conosco nas nossas, principalmente sua casta guerreira. Confesso que nunca entendi o porquê. Foi uma tremenda surpresa. Imagino o que os membros do Eight pensaram e pensam sobre isso.

Alguns anos haviam passado quando eu fui expurgado da Terra. Fui mandado para trabalhar como escravo em um planeta onde vocês mineravam Kunbinilio. Do espaço porto local nos mandaram direto para as minas de Tars. Por lá eu fiquei até que o Império Ogzazul tomou as minas e nós fugimos. Fui parar em uma das cidades e logo fomos embarcados por vocês de volta para casa. Quando eu cheguei os grupos de resistência estavam quase extintos, então do nada um deles começou a ressurgir: o Eight. Com o passar do tempo eles adquiriram armas que rivalizavam com as de vocês e com os B`Gads. Como começou? Não sei. Não tenho a menor ideia. – disse rindo. Mas após eles destruirem o predio da A`Bkjria e começarem a destruir as astronaves B`Gads em órbita, obtiveram o respeito de vocês. Até mesmo dos Ogzazul.

Quanto ao lider deles, Blue, deve ser apenas uma lenda, uma história fantástica de terror que o Eight criou e disseminou para aterrorizar seus inimigos internos e externos. Uma pessoa dessas simplesmente não poderia existir. É impossível.

– Seja como for – falou K`Syr  todos morreremos nesse ataque. Alguns transportes civis com a elite das castas já começaram a partir. O General K’You-Hiz avisou que a maioria da casta guerreira iria permanecer.

– Eu ainda não sei o que fazer, irmã.

K’Xiar olhava tristemente para o que ela chamava de familia naquele mundo. Os transportes para seu mundo natal estavam saindo cheios e ela desconfiava que não teria futuro em Kaltor.

Roiter se despediu das mulheres e foi ao encontro já marcado com os “meninos”.

*****

O bar não estava cheio, Arlindo e Lucius já haviam visitado outros bares naquela noite e mesmo assim entraram no Bar de Sempre para encontrar Tulio e Heliomar. Era um encontro previsto e mais ou menos complicado visto que Arlindo e Heliomar eram colaboracionistas conhecidos, temidos por alguns e odiados por outros.

O fato de serem colaboracionistas, como sempre citava Lindão, era apenas uma questão de um ponto de vista e depois de uma noite de rodadas de cerveja, rum e whisky todos concordavam. A noite como sempre terminaria na praia em algum lugar longe da cidade e dos territorios Kaltonianos.

– Hoje não vamos falar dessa merda de ocupação – disse Tulio –larguei minha mulher em casa para eu ficar à toa com vocês falando de bobagens. Não da ocupação. E também não quero ficar recordando os outros. Fico depressivo quando falamos dos “meninos”.

Lucius ficou rindo e no fundo sabia que ele estava certo em não querer passar o que restava da noite recordando o passado.

Mas estavam na véspera de mais uma grande invasão e com certeza os “B`Gads” exibiriam seu grande arsenal de “manutenção de paz”.

– Lembram dos Uks?

Todos riram. Não havia mais Uks – criaturas que haviam enviado à Terra com o objetivo de exterminar os seres humanos e todas as criaturas vivas que pudessem encontrar.

Fora tão simples, eles não contavam com a existência dos felinos, naturais da Terra que adoravam caçá-los e matá-los apesar de serem maiores e muito mais perigosos. De um certo ponto de vista, foi a primeira derrota deles.

– Os gatos acabaram com eles – disse Tulio sério – ninguém pode fazer nada, simplesmente foram extintos aqui.

Nenhum deles achou mais graça naquilo. Resolveram sair dali e ir para uma das casas seguras de Lucius.

A casa ficava longe da cidade, à beira da praia e dificilmente algo ou alguém chegaria ali sem que eles soubessem. Era uma das casas para que eles sempre iam quando estavam juntos, afinal eram um grupo antigo de amigos e como dizia Tulio – Dane-se o que os outros pensem a respeito.

Além disso os homens da guarda pessoal de Arlindo estavam sempre nas imediações.

– Caras, como se passaram mais de vinte anos? – perguntou Tulio depois de alguns minutos de silêncio.

– Passou rápido para mim – Lindão estava semi deitado na sua poltrona predileta na varanda, sem calças nem botas, descalço com com os pés na areia.

– Em menos de um ano – disse Lindão – eles criaram a força de paz. Era como chamavam a Guarda governamental na época, lembram?

– Sim – Heliomar falou meio sonolento – foi nesse período que começaram os expurgos, depois que criaram a força de paz. De início, achávamos que as pessoas eram levadas para outras cidades. Apenas relocação diziam.

Heliomar lembrou a nova rede de comunicações que os Kaltonianos haviam estabelecido no planeta, afinal seus governadores alienígenas precisavam no inicio de uma comunicação eficiente já que os B`Gads haviam destruído as humanas.

– Expurgo? Nome bonito para banimento, Helinho – disse Tulio.

– Lembram dos caçadores B’Gads? Como eles eram mortais no início? – Tulio falou de repente, como se acordasse de um sonho.

– Lembram quando começamos a envenená-los? E da Força de Paz? – Riu de novo até pegar no sono.

– Eu estava sozinho – Lindão riu nervosamente – e na verdade não tinha o que fazer, então entrei para a tal Força de Paz. Aquela merda não tinha Força nenhuma e de Paz os Kaltonianos não entendiam nada.

– Com o surgimento dos primeiros grupos rebeldes, eles resolveram criar uma Guarda Governamental híbrida formada de humanos desarmados e de Kaltonianos armados. Eu estava na Força tinha uns dois anos e já tinha visto que não ia dar certo.

– A A`Bkjria havia sido instalada na Terra e mandava e desmandava na Guarda e – ele riu de novo chamando a atenção dos outros – eu encontrei o Marcelo. Ele estava preso na A`Bkjria e me deu muito trabalho soltar ele.

Lindão parou de repente e todos sabiam o porquê, mas ele continuou falando.

– Salvei ele para nada, dois dias depois fui procurar por ele e o achei em um dos campos de colonização dos BGads. Ele estava feliz pois tinha encontrado o Atila e ele tinha sido embarcado em um dos módulos para colonização. Aquilo animou demais o Marcelo e não adiantou eu falar com ele sobre o perigo. Ele achava que poderia encontrar a irmã em alguma colônia. Achava que a propaganda deles era verdadeira. Mas os desgraçados só queriam escravos e comida. Um dia fui procura-lo e tinha sido deportado. Nunca mais soube deles. Com o passar do tempo vi que só nós mesmos havíamos sobrevivido e olha que eu procurei nas redes deles e nunca mais os achei.

– Lembro que quando os países foram extintos e apenas as grandes cidades ficaram como Estados, eu e meus pais ficamos de cidade em cidade do interior fugindo… – disse Heliomar balançando despreocupadamente um copo vazio em uma das mãos – com o passar dos meses vimos que muitas delas haviam sido abandonadas.

– Não foi bem assim – Tulio balançou a cabeça de novo – antes de um ano os BGads já tinham aquela propaganda de novas colônias em planetas melhores. Ali começou os expurgos e as deportações.

– Bem – disse Heliomar – eu sei que uns dois anos depois fui para uma das cidades vizinhas e lá eu me casei e tive três filhos. Depois fomos para Atacna onde meus pais tinham ido morar. Depois…

Ficaram em silêncio mais um pouco, os três sabiam do que ele falava – havia perdido a familia, sido deportado e escravizado por diversos anos até conseguir voltar.

Tulio levantou e pegou algo na geladeira e começou a mastigar e ouviu alguém dizendo – traz pra mim, outro disse que também queria. Decidiu levar para todos. Sentou-se e continuou a falar de boca cheia.

– Eu até que tentei não me meter no que acontecia e por uma década ou mais consegui, até que na segunda onda de ataques eles destruíram um bairro inteiro de Atacna. Era onde minha mulher e filhas estavam. E aqui estamos, enchendo os cornaços.

– Então meus queridos amigos e irmãos – Hélio olhou os outros com uma sobriedade impressionante – precisamos decidir.

– Decidir? Decidir o que? Já está decidido. – perguntou Arlindo – Fui à reunião do seu vice ontem e ele parecia não ter o que falar. Acreditem, ele falou duas coisas. Primeiro queria um relatório da Guarda Governamental. Eu e K`Mars enviamos na hora para ele e depois perguntou se havia novidades da A’Bkjria.

– Sua mulher respondeu alguma coisa que eu nem prestei atenção Helinho, aí ele ficou uma hora falando das dificuldades de gerir uma cidade. Só estranhei que K`You nem apareceu. É hora de agir, antes que seja tarde demais. A inteligência  diz que os B`Gads estão se movimentando.

– K`You estava comigo.

– Estava com Lucius Talber Junior– Tulio disse brincando e perguntou ao grupo.

– Quando então? Quando chegarão os B`Gads?

– Amanhã – disse Lucius.

– Já disparei o alerta para todos os grupos em todas as cidades – disse Helio Carlos Roiter.

Todos ficaram em silêncio repentino

– Amanhã! – Lucius olhou para todos e viu os acenos positivos de cabeça – Duas horas então, conforme combinado.

– Os brinquedos que foram distribuidos nas outras cidades já estão instalados? – Helio perguntou.

– Com certeza! Vamos dar um presente de boas vindas aos B´Gads dessa vez. – Lucius e Arlindo sorriram animados.

Se levantaram, cada um sabia quando, como, onde e o que fazer.

*****

Dentro da nave mãe Ogzazul o seu lider principal, Tzu Hovark, observava o que parecia ser o final da batalha. Foi uma jogada interessante do seu Prior avisar aos humanos e kaltonianos das intenções de ataque dos B`Gads, a inteligência funcionava muito bem. O Império, conforme negociado, ficaria de fora daquele sistema solar.

Se alguma vez Tzu Hovark podesse rir, seria aquela. O Império ficar fora de algum lugar? – Pensou em silêncio.  Bem, ao menos por enquanto. Afinal eles não conheciam as novas armas que os cruzadores kaltonianos  tinham e que cuja tecnologia aparentemente parecia ter sido cedida pelos humanos e que além das astronaves, estavam instaladas por todo o planeta dos humanos. Além disso, o interesse principal do Império Ogzazul naquela região da galáxia era comercial e garantiriam isso com a saída dos B`Gads.

Tzu Hovark sabia que aquela tecnologia não era nem kaltoniana e nem humana. Ao menos os humanos estavam muito a vontade com ela. Em pé, na area tática de comando do cruzador imperial, olhando seus pares, não saia de sua cabeça uma batalha, há pouco travada entre duas fragatas kaltonianas e um cruzador B`Gads. Estavam a uma grande distância da Terra. Súbito as naves kaltonianas se afastaram às pressas como se fugissem. Então, um disparo vindo de algum ponto não indentificável do planeta e atingiu em cheio o cruzador B`Gad, que brilhou antes de implodir, se transformando em um misto de rochas e areia esmagadas, desaparecendo na escuridão do espaço.

Significava que podiam atingir alvos a grandes distancias do planeta, só precisavam das coordenadas certas. Isso colocava os humanos e kaltonianos residentes ali em um outro patamar de poder militar. Dependia agora do que seus espiões  podiam lhe informar. E não era muita coisa naquele momento. Um pensamento lhe ocorreu. E se os B`Gads tivessem mais cruzadores ali?

*****

K`Syr era agora a comandante da A`Bkjria no planeta, desde quando a evasão das lideranças kaltonianas começara e havia discutido exaustivamente com seu Guiiuo o que fazer quando da invasão B`Gads.

Três momentos se tornariam muito importantes em caso de conseguirem repelir os B`Gads. O primeiro deles seria a aceitação por parte do Império Ogzazul da impossibilidade de ter o planeta Terra. O segundo momento seria a execução do traidor kaltoniano K’You-Hiz, visto que ele era claramente contra as ordens de Kaltor e o terceiro seria a destruição do grupo Eight e o fim de seu lider: Comandante Blue.

Para K`Syr sem aqueles três importantes pontos jamais haveria paz. O primeiro estava consolidado. De alguma forma que ela ainda não conseguia compreender seu Guiiuo, junto com K’You e mais quatro kaltonianos e humanos haviam negociado com o Império Ogzazul, seu representanteTzu Hovark, uma espécie de acordo escrito, formal, sobre isso. E esse grupo praticamente era o poder invisivel que dominava o planeta agora.   

Isso fazia com que o segundo momento importante para a pacificação do planeta se tornasse praticamente inviável, pensou K`Syr…  mas isso era outra história. Ainda havia o terceiro momento.

K’Xiar estava perto de embarcar em um dos últimos transportes a deixar o planeta em direção a Kaltor. A despedida da irmã foi dolorosa, principalmente por ela insistir que K`Syr embarcasse com ela. Não conseguia entender o motivo de tantos kaltonianos terem resolvido ficar na Terra, lutar contra os B`Gads era morte certa. Por outro lado os contatos entre Kaltor e Terra seriam praticamente desfeitos para sempre e eles seriam livres do regime.

Aquilo sim era tentador.

Pegou sua mala, colocou nas costas e voltou para o espaçoporto. Ao sair encontrou K`Syr que lhe sorriu e disse para ir para casa

– Tenho que ir para a A`Bkjria irmã – disse para K’Xiar – A Invasão já começou e tenho que estar lá.

Horas depois a vista da cidade da torre da A`Bkjria era um horror para K`Syr. Diversos lugares estavam em chamas, diversos prédios e áreas inteiras, destruidos, derrubados pelos pulsares das astronaves. Mas o Eight estava lá.

O Eight agia às claras agora, no caminho de casa para a Torre da A`Bkjria viu cenas impressionantes de combate em solo.  Homens da Eight junto com a guarda governamental e muitos soldados da força de ocupação de Kaltor haviam se juntado a eles.

De onde estava era impressionante ver os pulsares anti-naves sendo disparados contra o céu, tanto de Atracta quanto de Atacna. Ver as movimentações de humanos e kaltonianos procurando os perigosos caçadores guerreiros B`Gads.

Essa lição ela já havia aprendido há muito na arte da guerra: os aliados de ontem podem ser os inimigos de hoje e os inimigos de ontem podem ser os irmãos de hoje.

Qualquer um que fosse descrever aquela batalha no futuro diria que Blue e General K’You-Hiz haviam conseguido derrotá-los com um movimento de pinça na entrada do sistema solar, deixando um pequeno espaço para fuga para as naves atravessarem o portal de volta ao setor da galáxia de onde vieram. As que não quiseram sair ou não conseguiram, foram destruídas ou pela frota kaltoniana ou por disparos de longa distancia do planeta. Talvez até mesmo uma ou outra por naves do Império Ogzazul.

Cinco grandes transportes de tropas B`Gads haviam conseguido chegar à órbita. De todas as cidades, a que mais importava aos B´Gads era a que possuia maior e mais avançada tecnologicamente de todas. A resistência poderia tê-los destruido, mas três deles seriam moeda de troca com o Império Ogzazul.

O que havia agora era uma batalha assimétrica acontecendo dentro da maior cidade do planeta Terra. Os tão temidos caçadores B`Gads quando deixaram seus transportes eram os grandes caçadores. Agora eram a caça.

*****

Blue atravessou correndo uma das rua do centro de Atracta. Pouco mais de uma centena de humanos e kaltonianos o seguiam. Já havia perdido mais da metade de seu efetivo para os caçadores. Em compensação haviam exterminado mais de três centenas deles.

A luta contra os caçadores B`Gads se desenrolava agora bem no centro da cidade e embora as novas armaduras deles realmente fossem mais eficientes contra os gases, eram frágeis contra os fusis, de tecnologia que os Kaltonianos haviam fornecido aos humanos nos últimos anos, o que tornava a luta muito equilibrada.

Principalmente em termos de força, no solo, era uma luta de criatura contra criatura e o Eight e os homens que o compunham, conheciam cada milimetro daquele lugar. Blue planejou cada detalhe da batalha. Não deixariam barato.

*****

K`Syr estava perto agora da Torre de trabalho Delta 9, quando viu um efetivo de caçadores B`Gads atravessando a quadra principal no entardecer e naquele momento estavam completamente expostos. Era óbvio que iam atacar a governadoria.

Mas em um instante tudo explodiu em um dos combates mais encarniçados que ela já havia visto. Guerreiros da Guarda Governamental e homerns da Eight, facilmente identificáveis pelos lenços azuis nos pescoços, lutavam cara a cara com os caçadores. Um grupo de kaltonianos chegou e começou a lutar contra os caçadores B`Gads.

Um dos combates em especial, que acontecia bem perto dela, chamou sua atenção. Dois humanos contra dois caçadores. Um dos humanos tinha o rosto coberto por um lenço azul. Ele carregava nas mãos uma espada pequena romana, um gladius, como o que seu Guiiu tinha na parede atrás da mesa. Seu sangue gelou.

O caçador atacou com a lança blaster, mas o humano se defendeu de forma impressionante apenas com o braço, como se algo o protegesse. O caçador atacou de novo, de novo e de novo, cada vez mais rápido e sempre sendo detido pelo humano. Até que em um movimento rápido o caçador mordeu-lhe o braço.

K`Syr já havia visto aquilo antes, em geral terminava em amputação do membro do inimigo. Dessa vez não. O humano parou a dentada do caçador com a proteção do braço e enfiou o gladius por entre uma dobra da armadura. O caçador soltou um guincho terrível e caiu sobre as quatro pernas traseiras. Ainda arfou um par de vezes e tentou levantar a lança blaster, mas o humano afundou o gladius até o fim no caçador, que tombou sobre as seis pernas e deitou esticando os braços.

O outro humano portava uma katana e estava tendo dificuldades com o caçador que lhe mordia a proteção no braço. Ambos seguravam as armas um do outro tornando a luta indefinida. O humano que estava de lenço azul cobrindo o rosto correu em seu socorro e atravessou o B`Gads com o gladius. O caçador nem gritou.

K`Syr foi vista pelos humanos e se apavorou. Acabou saindo de trás da proteção de onde estava com o fuzil apontado para os dois, que em um reflexo apontaram seus fuzis também para ela.

Reconheceu um deles. Apesar de estar banhado em sangue B`Gads. Era Lucius.

Ela viu quando ambos abaixaram os fusis e guardaram as lâminas. O homem cujo lenço azul cobria o rosto tinha as duas mãos levantadas e  os braços estavam em direção a ela como se pedisse calma, mas não falou nada. O outro apenas o chamava – Blue, Blue.

Ela continuou apontando e ainda perplexa se aproximou deles. Aquele era sem sombra de duvidas o comandante Blue.

Terrorista!

Inimigo?

Chegou a distancia de tocar o rosto dele e olhou direto em seus olhos. O fuzil caiu de suas mãos no chão. Conhecia aqueles olhos. Ele se virou e se foi. A única coisa que ela consegiuiu dizer foi: – cuidado!

*****

O General K’You-Hiz aprendera duramente a muitos anos atrás que a sorte das batalhas são decididas em detalhes e surpresas. Ele estava preparado para tudo, menos para ter mais uma frota B`Gads chegando e dessa vez, uma gigantesca.

Eles reverteram repentinamente, perto das forças Ogzazul e os atacou.

O ataque dos B`Gads contra a frota do Império Ogzazul foi impiedoso. A frota toda foi esmagada. Foi uma batalha rápida.

A pequena frota kaltoniana ainda se recompunha em órbita lunar e não pode fazer nada.

O que restou da frota kaltoniana/humana e que conseguiu fugir às pressas, procurava aterrar o mais rapidamente possível no planeta e o General K’You-Hiz esperava que os pulsares fossem suficientes para protegê-los. Pouco mais de uma duzia de fragatas kaltonianas jamais fariam frente a uma centena de cruzadores B`Gads, ele sabia disso e nunca ordenaria uma batalha suicida.

A frota B`Gads agora começava a orbitar o planeta e atacar as cidades. Grandes e pequenas. Era um replay do que havia acontecido há tres décadas e as fragatas começaram a descer mais e mais para tiros mais efetivos. Mas dessa vez disparos dos pulsares do solo vieram rápido e uma a uma as fragatas B`Gads em órbita baixa eram destruidas. Apenas um dos pulsares, o original trazido do exilio por Blue, era forte o suficiente para derrubar um grande cruzador com os novos escudos e ele precisava de tempo entre os disparos para ser eficiente.

K`Syr olhava aturdida do alto da Torre de trabalho Delta 9. Via no espaçoporto humanos e kaltonianos carregando novas gerações de caças projetados por humanos.  Sabia que eles depositavam nas pequenas naves  sua esperança final. Sabia que Roiter era necessário naqueles últimos momentos para os que habitavam o planeta Terra.

Decidiu que seria egoista. Ficaria com seu Guiiu.

K’You-Hiz e Roiter, além de K’Tiel-Zal, Lucius estavam na sala do Governador na Torre 9. Tulio e Arlindo e mais uma duzia de humanos e kaltonianos que discutiam freneticamente a situação em que se encontravam também estavam lá.

– Sabemos que os pulsares que fabricamos não fazem muitos efeito contra os cruzadores B`Gads – disse K’Tiel-Zal.

Eles estão em órbita alta – continuou – não precisam arriscar. O perigo é que estão se posicionando para atacar Atracta.

 – A população está abandonando a cidade, outros estão indo para os abrigos – disse Roiter olhando os mapas da cidade – sei que não será o fim da raça humana, mas se as cidades forem destruidas levariamos séculos, talvez milenios, para recuperação. Mil anos de atraso.

– Se houver recuperação – disse Tulio.

– Bem –  K’You-Hiz estava indo em direção à porta, abriu-a e falou – todos sabem o que fazer. Espero vê-los outra vez.

Carlos Roiter, Tulio, Arlindo e Lucius olhavam o céu da janela. Se abraçaram como faziam nos ultimos trinta anos em suas despedidas.

– Nos vemos depois – Lucius disse e foram embora.

Roiter ficou só em sua sala na Torre de trabalho Delta 9. Aquela não era a primeira vez, naquele lugar em que se sentia muito, muito só.

– Não posso permitir – disse alto – que minha gente sirva de repasto e de escravos para uma espécie como essa.

Olhou em sua mesa de trabalho os dois artefatos que ficavam em suas extremidades. Quando voltou do banimento nas minas de Tars foram as únicas coisas que trouxe. E eles sempre ficaram ali, escondidos à vista de qualquer um, em cima de sua mesa. Sempre ao alcance de suas mãos. Saindo apenas em raras ocasiões quando usados como armas contra os B`Gads ou para os kaltonianos copiarem sua tecnologia.

Depois de um tempo vendo os artefatos alienigenas tomou uma decisão. Juntou e encaixou as duas peças como apenas ele saberia fazer e as colocou em cima da mesa. Alguém diria que parecia um grande e ridículo chapeu coco. Torceu as duas peças uma vez. Torceu mais duas vezes na mesma direção e começou a contar metalmente durante um tempo e distorceu uma vez. Contou de novo e torceu três vezes até que os objetos estranhamente acenderam em um brilho fraco e fosco.

Levantou e foi até a varanda da sala do Governador com o artefato agora único nas mãos, e girou uma última vez após uma contagem mental indecifravel. O artefato levitou por alguns segundos e começou a girar, emitindo uma luz intensa.

Se alguém como K`Xiar observasse a Torre de trabalho Delta 9 de onde estava veria algo muito maior.

Roiter levantou os braços como se chamasse o artefato e ele retornou às mãos de seu dono. Roiter girou-os mais uma vez, agora em uma volta inteira enviezada, como se estivesse enroscado errado.

O artefato, agora um só, emitia luzes verdes e vermelhas  e quando Roiter o soltou, ele pareceu crescer, praticamente triplicou de tamanho e ficou com uma luminosidade muito intensa. Estava girando tão rápido que dali mesmo chamou a atenção dos cruzadores B`Gads e de toda a população da cidade, que parou para vê-lo enquanto subia em direção ao céu.

Em menos de um segundo o artefato, que agora parecia ter mais de uma centena de vezes seu tamanho original, alcançou uma órbita longa do planeta e os cruzadores B´Gads saíram em sua perseguição. Diversos cruzadores B`Gads atiraram contra o artefato, fosse o que fosse. Três deles se aproximaram disparando suas armas mais potentes contra ele. Do artefato partiu em direção aos três gigantescos cruzadores rochosos de formato cilindrico uma luz escura, difusa, e os atingiu por uma fração de segundos. De inicio os cruzadores pararam de disparar, em seguida implodiram se transformando em pó estelar.

Os outros cruzadores B`Gads já não disparavam contra o artefato  e cessaram os disparos contra o planeta. Suas armas não operavam mais. Naquele momento o brilho intermitente entre verde e vermelho era tão intenso que os habitantes do planeta podiam vê-lo no céu a olho nú.

Os cruzadores B`Gads começaram a manobrar e a acelerar cada um em uma direção diferente em fuga alucinada. Seus comandantes sabiam que fugir dali era a única chance de sobreviver. Aceleraram mais e tão rápido que em segundos estavam deixando o sistema solar e passando pelo cinturão de Kuiper, quando o artefato disparou. Foi tão rápido e tão intenso que a maioria das pessoas que olhavam para o céu cairam de joelhos. Os cruzadores de guerra B`Gads apenas não existiam mais.

O brilho pulsante do artefato cobria o planeta, todos pareciam estar em extase. K`Syr pegou o turbo elevador até o andar da governadoria. Mantinha sempre os olhos baixos evitando o artefato. Não havia ninguém nos corredores outrora sempre muito movimentados. Abriu a porta da sala e entrou procurando seu Guiiu. A porta da varanda estava aberta e ela atravessou a enorme sala e o viu de braços estendidos, como se estisse em transe, abraçou e o beijou. Sentiu o abraço dele, mas o transe parecia continuar.

– O que houve? – Perguntou K`Syr .

– Tudo, nada – ele disse e sorriu.

Observavam o espectro de luz pulsante em verde e vermelho no céu cada vez mais rápido, até que ninguém conseguia diferenciar as cores. Então, um flash atingiu todo o planeta.

*****

Heliomar e Lucius olhavam o ponto luminoso que pulsava no céu e que não se movimentava. Emitia padrões coloridos em verde e vermelho alternadamente. Os garotos ficaram observando enquanto o artefato passou a ziguezaguear aleatoriamente até parar de repente.

Então, desceu sobre a cidade até sumir de sua visão atrás de uma mangueira alta. Subiu inesperadamente até voltar para o mesmo lugar e depois se afastou e voltou ziguezagueando outra vez. Os garotos pareceram sentir-se mal, apesar de estarem perto de suas casas precisaram sentar na calçada.

Ainda sentado Heliomar estendeu os braços na direção do artefato que parou no céu. Nesse instante milhões de pessoas o olhavam. O artefato continuou a pulsar cada vez mais rápido e desceu ziguezagueando até desaparecer no solo.

Levantaram rápido e Heliomar olhou para seu amigo Lucius Talber Júnior com um sorriso ao perceber que eram garotos outra vez.

– Voltamos! Tecnologia maravilhosa!

Bateu no ombro de Lucius que sorriu.

– Avise aos outros.

– Desta vez vamos fazer tudo certo – disse Lucius ainda olhando os braços e o amigo sem acreditar – Eight? Barrabás.

Heliomar Carlos Roiter olhou sério para o amigo, não gostava de como o inimigo o chamava e ambos riram. Procurou nos céus por alguma coisa.

– Ainda temos tempo, avise aos outros.

– Sim, Blue.

Fim

Um conto de Swylmar dos Santos Ferreira                  em 06 de março de 2023.

Imagem meramente ilustrativa retirada da internet

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Publicado em 14 de março de 2023 por em Contos, Contos de Ficção Científica.

A saga de um andarilho pelas estrelas

DIVULGAÇÃO A pedido do autor Dan Balan. Sinopse do livro. Utopia pós-moderna, “A saga de um andarilho pelas estrelas” conta a história de um homem que abandona a Terra e viaja pelas estrelas, onde conhece civilizações extraordinárias. Mas o universo guarda infinitas surpresas e alguns planetas podem ser muito perigosos. O enredo é repleto de momentos cômicos e desconcertantes que acabam por inspirar reflexões sobre a vida e a existência. O livro é escrito em prosa em dez capítulos. Oito sonetos também acompanham a narrativa. (Editora Multifoco) Disponível no site da Livraria Cultura, Livraria da Travessa, Editora Multifoco. Andarilho da estrela cintilante Por onde vai sozinho em pensamento, Fugindo dessa terra de tormento, Sem paradeiro certo, triste errante? E procurar o que no firmamento, Que aqui não encontrou sonho distante Nenhum outro arrojado viajante? Volta! Nada se perde com o tempo... “Felicidade quis, sim, encontrar Nesse vasto universo, de numerosas, Infinitas estrelas, não hei de errar! Mas ilusão desfez-se em nebulosas, Tão longe descobri tarde demais: Meu amor deste lugar partiu jamais!”

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