Blog para contos de ficção científica, literatura fantástica e terror
Acordei cedo! Pela altura do Sol seria o meio da manhã, mas não era. Olhei para o lado da cama onde deveria estar minha mulher. Ninguém!
Vou tomar banho, o calor está muito forte, vem em minha mente uma música antiga que meu pai costumava cantar quando eu era menino, chamada o último dia. Fiquei cantando no chuveiro estrofe de uma música umas cinco ou seis vezes seguidas, me lembrando de pai imitar seu autor cantando na TV.
– Nada mais oportuno para esse momento. Falo para mim enquanto me seco.
Volto para o quarto e Dália ainda não voltou, ela é dada a passeios matinais, ainda que para o momento e os acontecimentos dos últimos dias não seja o mais adequado.
Dália certamente saiu pela manhã e não quis me acordar, lembro vagamente de um leve beijo.
– Como posso ter um sono tão pesado assim? Droga!
– Logo no último dia.
Tenho que tomar decisões rápidas hoje, tenho que decidir aonde ir.
Enquanto me visto lembro do pai dela dias atrás quando as notícias chegaram. Estávamos em um fim de tarde reunidos assistindo ao futebol na TV quando deram a notícia. De início não acreditei.
– Como uma emissora de TV pode fazer uma brincadeira idiota dessas, pensei me levantando da pequena cadeira ao lado da janela.
Uma nova chamada da emissora, desta vez alertando que dentro de minutos haveria um pronunciamento oficial do governo. Aquilo foi o suficiente para seu Agenor se levantar.
– Vou juntar a família e ir para o mais longe possível. Falou seu Agenor ainda em um misto de susto e graça. Vamos para o sítio do meu irmão que lá estaremos seguros.
– Vou arrumar as malas. Falou dona Cotinha se levantando do sofá, com cara de choro. Tem que avisar as crianças, Nono.
O velho ainda em pé, procurava calçar o chinelo do pé esquerdo. Parecia perdido, aliás como todos nós naquele sábado à tarde. Seria uma brincadeira, pensei. Olhei Dália e ela de pé no canto da sala ainda sorria com a sobrinha no colo. Repousei o copo de vinho que tomava com Haroldo, meu cunhado, no braço do sofá ao meu lado. Fiquei olhando a televisão até passar novamente a notícia, desta vez em rede nacional.
Selma, a mulher do Haroldo começou a chorar do nada, fazendo com que a criança, no colo de Dália iniciasse um choro agudo. Vi minha mulher entregar a criança à mãe e dar alguns passos para o meu lado, sua mão direita tremia enquanto segurava o meu braço. Eu ainda estava lerdo.
– É essa merda de vinho! Dormi no sofá e estou tendo pesadelos – Falei em um tom de voz demasiado alta olhando nos olhos dela, que simplesmente meneou negativamente a cabeça e me abraçou.
Um grito! Um grito forte de quem queria colocar ordem nas coisas. Haroldo, o filho mais velho de Seu Agenor e Dona Cotinha estava agora em pé e pedindo para que todos se sentassem, enquanto outro anúncio em rede nacional se iniciava.
A imagem do Presidentes da República tornava inquestionável a celeridade dos fatos. O Presidente anunciava a descoberta de um gigantesco corpo espacial que vinha por detrás do sol, indo em sua direção provocando um choque monumental.
Um cientista renomado foi convidado a explicar a situação, disse que os grandes centros espaciais o viram pela primeira vez a menos de quinze dias quando entrou em nosso sistema solar e que não havia dúvidas sobre o que ocorreria. Ninguém poderia prever ao certo os resultados, mas acreditavam que os restos desse choque titânico se locomoveriam em direção a todos os planetas, inclusive o nosso, quando houvesse o impacto. Ele acreditava que em menos de um minuto, seria o fim da existência como a conhecemos. O nome dado pelos cientistas ao corpo espacial foi Hercólubus. Os cientistas haviam previsto o cataclismo para um período em torno cinco dias, mas antes, a própria presença deste astro causaria catástrofes naturais em nosso planeta.
Peguei o telefone celular e tentei ligar para Dália, infelizmente os equipamentos eletrônicos não funcionavam mais, uma das maravilhas do homem neste século que tanto ajudou na evolução tecnológica, não existia mais.
Olhei a geladeira, ainda tinha luz, peguei um suco de laranja e um copo, mas não me apeteci, comi um biscoito de um pacote aberto em cima da bancada na cozinha e resolvi procurar minha mulher.
Soube que alguns governos dos países do hemisfério norte estavam incentivando seus cidadãos a porém fim em suas vidas. Absurdo, pensei. Sorte que isto não chegou a ser feito aqui.
– Pode ser a qualquer momento! Falei sozinho lavando o copo sujo de suco.
Fui para a janela da varanda e fiquei observando as ruas. A vista do décimo quinto andar sempre me fascinou. Costumava olhar os vizinhos da cobertura próxima tomando banho à noite, algumas vezes eles ficavam nus quando se asseguravam que não estavam sendo observados. Agora eles tomavam banho em sua pequena piscina muito à vontade, o casal e a filha de um ou dois anos. Ele olhou em minha direção e acenou. Acenei também e gritei alto a palavra sorte. Vi as ruas outra vez.
– Limpo. Simplesmente não tem ninguém.
Não havia mais o caos generalizado dos dois primeiros dias em que se viam saques de lojas, farmácias e mercados, destruição, incêndios, tentativas de fugas de famílias inteiras que simplesmente tentavam ir para qualquer lugar. Tampouco o silêncio mortal do terceiro dia, quando foi decretado o toque de recolher e as forças armadas e policiais locais tomaram conta das ruas em uma tentativa de manter a ordem a qualquer custo.
– Onde Dália foi? – Perguntei a mim, já indignado.
Desço até a garagem do nosso prédio e vejo que uma de nossas motocicletas não está ali. Presumo que ela foi tentar chegar até onde estão seu Agenor e dona Cotinha. O sítio ficava a pouco mais de cem quilômetros em uma região entre montanhas, o velho se julgava a salvo ali.
– Eu devia fazer o mesmo. Falei observando pela última vez a imagem refletida no espelho no hall de entrada.
Lembrei que pouco mais de um dia após o anúncio do cataclismo, começaram furacões, ciclones, tempestades gigantescas por todo o mundo e agora por último a calmaria, tudo previsto por cientistas.
A maior parte dos satélites de comunicação foram destruídos durante as chuvas de meteoros que caiam constantemente causando grandes estragos planeta afora. Soube que uma das grandes capitais da América Latina foi atingida em cheio. Sorte não ter sido a nossa pensei tristemente.
Decido ir para a casa do meu pai, antes vou passar na casa de Laura. Ela terminara o casamento com meu irmão que morava na Europa recentemente e minha mãe tinha pedido para levá-la para casa também.
De meu irmão não tivemos notícias dele nesses dias.
Deixo um recado em cima da mesa da sala:
– Fui para casa do meu pai.
Espero que Dália veja.
Não sei se ela voltará, estava com muito ciúme de Laura, talvez ainda mais de Aninha, minha sobrinha.
Desço e ligo a moto, as luzes da garagem estão apagadas e o portão do prédio não abre, faço isso manualmente e saio, muitos carros estão ali creio que as famílias decidiram por ficar em suas casas.
Vejo algumas pessoas pelas ruas… são poucas.
Piloto com cuidado, carros batidos e abandonados estão por toda a parte, assim como restos de pneus e lixo fumegantes, um corpo ou outro abandonados. Tristeza.
Dobro uma rua a direita e acelero até o antigo parque municipal onde um grupo de aproximadamente 100 pessoas estão paradas em um círculo, a maior parte ajoelhadas, mesmo com o capacete escuto seus gritos e louvações, alguns ficam me olhando enquanto passo lentamente, não vejo tristeza em seus rostos, apenas desesperança.
Lembro da Igreja que Dália costuma frequentar e decido ir até lá, estaciono na rua em frente e observo algumas pessoas correrem pelas ruas buscando a entrada. Os seres humanos necessitam confortar suas almas.
Entro, retiro o capacete e vou pelo corredor central olhando os rostos das dezenas e dezenas de pessoas que ali se encontram. No local mais alto cantando seus louvores estão um grupo de fiéis acompanhando a música de oração, dançam e cantam em um ritmo desconexo. Tenho que pensar em Dália, preciso achá-la.
Algumas pessoas falam comigo, perguntam se não quero ficar com eles, dizem que em breve serão levados dali. Eu sorrio para elas, estão certas, em breve nenhum de nós estará mais aqui.
– Neste lugar só existe o medo e a tristeza. Falo mais para mim do que para alguma pessoa, antes de sair.
Atravesso a rua e vejo mais pessoas correndo pelas ruas, buscando alcançar o perdão. Subo na moto e vou embora.
Lembro a última conversa com seu Agenor, poucas horas antes deles partirem. Vimos uma das últimas notícias na televisão onde afirmavam que alguns países estavam levando alguns escolhidos dentre suas populações para o subsolo com o objetivo de tentar sobreviver. Ele estava revoltado, alguém havia lhe dito que aqui em nossa terra, haviam cavado um abrigo no solo para poucas pessoas.
– Não adianta, falei para ele.
Pareceu-me que por uns poucos segundos ele entendeu. Em seguida seu rosto se transformou outra vez, tenho que ir rapaz, cuide bem de minha filha, disse-me ele. Vi a caravana de seis carros se afastando em direção ao enorme engarrafamento da rodovia que saia da cidade.
Paro na casa de Laura, as portas estão trancadas, bato insistentemente até ela atender. Ela abre a porta e entro, ela ainda está de camisola, diz em meus ouvidos que sabia que eu iria. Falo com ela enquanto a abraço. Está bela como sempre e sorrio para ela.
Laura me abraça mais forte e me beija o rosto, vejo que ela procura ser forte o suficiente por ela e por Ana.
– Vou levá-la para casa de meu pai. Não se preocupe, sua mãe ainda mora lá perto? – Ela não respondeu.
– Vista-se rápido, creio que o final está muito perto.
Coloco Ana entre nós na moto e sigo em frente, até um posto policial militar à frente onde as barreiras e alguns carros batidos travam a estrada, normalmente seriam seis ou sete homens, não sei, trabalhando ali. Não hoje, não há ninguém, as janelas estão escancaradas, nem desmontaria da motocicleta, mas algo me chama a atenção, creio que um vulto se move lentamente lá dentro. Desligo a máquina e salto, falo para Laura me esperar e ela confirma com a cabeça agarrando Ana o mais forte que consegue sem machucar a menina, pede para que eu tenha cuidado. Entro no lugar e ando lentamente a procura de alguém, vou em todas as salas, vejo que foram embora bem antes de nós chegarmos, não há nada ali, apenas os fantasmas dos vivos. Saio o mais rápido que posso, subo na moto e nós vamos.
Chego na casa de meu pai perto do meio da manhã, o sol parece muito mais perto naquele instante. Minha mãe vem rápido e pega Ana no colo, a menina de três anos é sua única neta.
Ana olha aterrorizada para o céu que agora está limpo e sem nuvens, ao menos em nossa região.
Tem poucas pessoas na casa, reconheço três vizinhos e suas famílias, uma outra senhora entra portão adentro segurando um prato grande de comida, é a mãe de Laura. Elas se abraçam.
Olho outra vez o céu e para o meu pai que me abraça com carinho. Sinto que sempre estarei protegido perto dele. Por um segundo chego a pensar que ele não deixará que nada aconteça conosco.
– Falta pouco Marcos, disse ele olhando em meus olhos. Vai ser rápido. Vou pegar uma garrafa de vinho.
– Não quero comemorar pai.
Falo sério enquanto ele se afasta. Ele olha para trás e sorri.
– Nem eu, oras.
Fico sem entender, mas com meu pai sempre foi assim. Sento em uma das cadeiras na área e fico olhando o céu, os ventos poderosos fazem os galhos das árvores revoar. Algo como um grande trovão explode e um asteroide irrompe na atmosfera da terra, é um dos médios, vejo-o rasgar os céus em chamas como se fosse uma adaga do Criador cortando o firmamento. Uma explosão em algum lugar do mundo faz estremecer o solo.
Olho para a entrada e vejo uma moto. Alguém desce apressado da máquina, reconheço imediatamente o capacete vermelho que está sendo retirado, é Dália. Corro os poucos metros que nos separam e a abraço. Meu pai grita apontando para cima. O céu parece escurecer com o eclipse de Hercólubus obscurecendo o sol e indo em sua direção, deixando um rastro verde azulado formado pelos seus gazes.
É simplesmente lindo!
São poucos segundos, menos de trinta certamente.
Na escuridão inesperada ouço os gritos das mulheres e crianças que estavam ali, olho a esquerda e vejo minha mãe sentada no chão, certamente as forças das pernas lhe faltaram, meu pai se ajoelha perto dela toma-lhe uma das mãos e ergue a taça de vinho em um brinde macabro ao Criador do Universo, ao qual ele sempre foi muito próximo. Do meu lado direito Laura, Ana e a mãe abraçadas de olhos fechados, apenas esperam o inevitável. Sinto um vento forte e gélido vindo de cima, sufocante como um vento do ártico me forçando a ir ao chão, por um segundo ou dois um silêncio total.
Acontece a reação do gigante frente àquele que o atormenta, o Sol majestoso engole Hercólubus em uma grande explosão. Contínuo olhando extasiado aquele combate de gigantes, é neste instante que o brilho do astro-rei queima meus olhos fazendo com que eu urre de dor, o calor é praticamente insuportável, não consigo mais respirar, minha pele e meus pulmões queimam, sinto os lábios de Dália nos meus …
FIM.
Um conto de Swylmar Ferreira
Imagem meramente ilustrativa retirada de: https://t3.kn3.net/taringa/C/7/C/8/8/6/VoryVZakone/04B.jpg
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