Blog para contos de ficção científica, literatura fantástica e terror
Eu estava a caminho da Galeria do Rock para buscar meu disco novo: The Book of Souls, do Iron Maiden em vinil importado, meu sonho de consumo. Juntei dinheiro e encomendei. Demorou, mas chegou. Não via a hora de sentir seu cheiro, de colocar ele na vitrola e tocar bem alto.
Na plataforma da estação Santa Cruz do metrô, eu esperava o trem chegar. Nos fones de ouvido rolava Iron Maiden, é claro, e com o celular na mão eu via minhas mensagens.
Mas é foda! Desgraça não manda um whatsapp avisando que está chegando.
O chão tremeu, as paredes racharam e várias lâmpadas estouraram. Ecoando pelo túnel do metrô, vindo dos lados do centro da cidade, ouvimos um estrondo abafado. Apenas um segundo foi o suficiente para que todos entrassem em pânico, passando por cima uns dos outros, tentando subir as escadas para sair da estação. Não havia tanta gente como num horário de pico, mas as rotas de fuga eram estreitas. Fiquei sem reação, paralisado, vendo gente ser pisoteada ou cair nos trilhos.
Os gritos misturavam-se ao chão tremendo, ao concreto e poeira caindo, ao estrondo como o rugido de um monstro ecoando pelo túnel. As poucas luminárias que restaram piscavam e faíscas saíam das apagadas. O elevador entre o piso de cima e a plataforma tombou rangendo, estilhaçando os vidros, e caiu nos trilhos. Ouvi barulho de um trem chegando, vinha da direção do estrondo, vinha do centro da cidade. Olhei para o túnel e vi um clarão alaranjado se aproximando.
O trem em chamas passou em alta velocidade, pelo outro lado, atropelando várias pessoas que caíram nos trilhos. Fogo saindo pelas janelas quebradas, deixando um rastro de fumaça preta. Já havia entrado quase todo no túnel quando começou a descarrilar, derrubando pilares, até parar mais adiante dentro do túnel. Uma explosão fez uma bola de fogo invadir a plataforma, desfazendo-se em seguida. Pessoas pegavam fogo, caíam nos trilhos ou jogavam-se na aglomeração de quem tentava subir as escadas. Gritos e mais gritos misturados com o estrondo ininterrupto que ecoava pelo túnel.
Eu ainda estava sem reação, encostado à parede, apenas um espectador. As pessoas que tentavam subir voltavam à plataforma como se fossem empurradas e um grupo vinha da estação Vila Mariana, correndo entre os trilhos. Senti um calor intenso soprando pelo túnel como um vento cada vez mais forte, vindo dos lados do centro da cidade. As pessoas que corriam pelo túnel desequilibraram-se com a força desse vento.
O ar tornou-se irrespirável e sem ar num fico nem fodendo! Isso me fez sair do torpor com uma descarga de adrenalina. Pavor de ficar sem ar! Arranquei os fones de ouvido e escalei o que sobrou da estrutura do elevador em direção à rua, rumo à salvação, em busca de ar. Cortei as mãos nos vidros estilhaçados, rasguei a perna na armação retorcida da porta do elevador, cheguei ao piso superior e um pedaço de concreto caiu no meu ombro.
Havia um mar de gente, provavelmente vindos da rua e do shopping Santa Cruz. Um vento quente soprava com uma violência absurda vindo de todos os lados. Parecia uma tempestade de areia por causa da poeira que caia do teto junto com os pedaços de concreto. As luzes que sobraram começaram a estourar e a única claridade era das faíscas nas luminárias. Uma parafernália de barulho de gritos, do vento, do concreto caindo. Todos em pânico, todos selvagens, tentando descer para as plataformas.
Abri caminho. Quem já foi em show do Iron Maiden tem uma certa prática com isso. É quase como nadar, dando braçadas e tomando impulso. Só que não. No show estamos todos olhando para o mesmo lado. Eu enfrentava uma multidão que ia para o outro lado e lutava pela sobrevivência.
Precisava sair dali, tinha certeza que algo ruim vinha pelo túnel do metrô. Abri caminho, precisava chegar até as catracas, passar por elas e ir para a esquerda. Empurrei, fui empurrado, derrubei pessoas que provavelmente morreriam pisoteadas, um pandemônio de rostos assustados, sujos de pó e sangue. Todos indo na direção contrária e eu querendo chegar à rua.
Minhas mãos ardiam, minha perna ferida latejava e eu sentia a calça molhada, com certeza, por causa do sangue. Não conseguia ver nada, guiava-me pela intuição, conhecia a estação como a palma da minha mão. Mas ambas estavam irreconhecíveis, a mão ferida e a estação destruída. Tudo tremia com mais violência a cada instante, pedaços maiores de concreto caíam e a poeira impedia-me de ver alguma coisa. As catracas não estavam mais no lugar.
Abri caminho até chegar à parede do lado esquerdo, meu caminho de sempre. Pisei em coisas macias e várias vezes tive a impressão que minhas pernas eram agarradas. Empurrei as pessoas com toda a minha força e cheguei ao pequeno corredor que leva à escada.
Do lado direito havia o Shopping Santa Cruz, do esquerdo, o Colégio Marista. As placas de publicidade voavam sem controle, atingindo com uma violência absurda as pessoas na multidão. Um pedaço enorme de concreto desabou sobre a bilheteria, estilhaçando os vidros que rodopiaram com violência e atingiram as pessoas. Muitos caíram como se fossem atingidos por tiros. Abaixei-me e virei à esquerda, mas precisei me segurar numa das máquinas de recarga de bilhete único. O vento parecia o de um furacão, mas não abandonei meu objetivo, não queria estar lá quando o que estava vindo pelo túnel chegasse.
Deitado no chão eu fiz o máximo de força para rastejar até a escada, usei as máquinas de recarga como apoio e impulso. Acho que arranquei a última e sofri um corte no tornozelo. Consegui chegar à esquina da escada, detritos voavam para dentro da estação e o vento quase me levantou, mas me segurei no corrimão.
Havia um carro capotado na escada do meio, pessoas atingidas por ele. Umas esmagadas, mortas, outras ainda vivas, presas sob o carro, muito sangue espirrado nas paredes e nos degraus. O dia havia escurecido fora de hora e havia muito barulho de batidas de carros na rua e o vento quente rugindo numa velocidade de furacão. Olhei para trás pensando seriamente em voltar, talvez pelo outro lado conseguisse algum abrigo melhor no Shopping Santa Cruz.
O chão tremeu mais forte, o pavor aumentou e uma força animalesca tomou conta dos meus músculos. Um homem preso sob o carro, mas ainda vivo, esticou o braço para mim como se quisesse me salvar. Talvez fosse o contrário, mas aproveitei e segurando-me no seu braço e no carro, subi uma boa parte da escada. Ele berrava com as pernas esmagadas sob o carro e não queria me soltar.
De dentro da estação ouvi uma gritaria de pavor chegando cada vez mais perto. Chutei o meio homem que me segurava, chutei com fúria e ele me soltou. Escalei o carro e deparei-me com uma árvore caída no fim da escada. O vento empurrava a copa, mas o troco e as raízes estavam enroscados na grade do Colégio Marista, que contorna aquela saída da estação. Eu não podia me arriscar a passar por baixo do tronco e ser esmagado. Segurei-me no carro e sem querer olhei para dentro: havia uma criancinha na cadeirinha, de ponta cabeça, com os bracinhos pendidos, balançando. A árvore toda começou a fazer um movimento violento, como um boi bravo, arranco a grade e voaram numa velocidade alucinante.
Rastejei pela lateral da escada e protegi-me atrás do muro do colégio, uma construção do século XIX. Na avenida os carros eram arrastados sem controle, capotando como se fossem de brinquedo, pessoas e árvores voavam como papéis. A grua das obras de ampliação do metrô tombou, fazendo a lateral do shopping desmoronar e o vento levou o resto aos poucos.
O chão tremeu com mais violência e as pessoas começaram a sair correndo da estação, com a força incrível do desespero, mas eram carregadas pelo vento como jornal velho. O muro que me abrigava começou a rachar, e mais e mais pessoas saíam correndo de dentro da estação, algumas em chamas. Uma bola de fogo subiu as escadas, medindo forças com o furacão.
No meio da avenida houve uma explosão que abriu uma cratera de onde jorrava o fogo. Ironicamente, nessa hora um caminhão do Corpo de Bombeiros era arrastado pela avenida como se fosse de plástico e o vento levava a língua de fogo para o outro lado.
O barulho da destruição é indescritível.
Uma parte do muro do colégio veio abaixo, atingido por um carro; havia pessoas dentro. Eu não podia mais respirar perto daquela fúria dos elementos, segurei-me no carro com toda força de um sobrevivente, ferindo ainda mais as mãos. Entrei no colégio pelo buraco do muro e o vento me derrubou e arrastou, sem controle, até que parei num canto do jardim. Atordoado, procurei por algum modo de entrar no prédio do colégio, mas as janelas eram altas. Foi nessa hora que vi a torre da Igreja da Saúde tombar após ser atingida por um helicóptero.
E ali, sentindo as maiores dores que já senti, com o braço quebrado, o pé esquerdo virado para o lado errado, com as roupas esfarrapadas, jogado numa pilha de entulho e cadáveres, olhei para cima e vi, erguendo-se imponente no céu, lá pelos lados da Praça da Sé, um improvável cogumelo atômico.
Imagem meramente ilustrativa enviada pelo autor.
Imagem meramente ilustrativa
Parabéns a quem escreveu o conto.
Eis uma sugestão: Acrescente descrições de cenário, focando nos personagens que estão em determinado lugar.