Blog para contos de ficção científica, literatura fantástica e terror
– Tem certeza que é repórter sr. Ricardi? – Perguntou o homem desgrenhado para ele.
Eriovaldo certamente era repórter. Não de rádios ou de televisão, havia sido. Nem de revistas políticas ou daquelas que tomam conta da vida alheia, também havia passado por algumas. Mas hoje trabalhava com uma revista chamada OVSNI. Afinal, a história do homem era para aquele tipo de revista.
– Tenho sim, Jonas. Voei mais de 1.000 quilômetros e estou aqui só para ouvi-lo.
Jonas José Claiborn havia sido manchete na cidade onde morava. Fora entrevistado por um locutor de rádio ao vivo em um sábado à tarde, duas semanas atrás, e acabou sendo ridicularizado ao vivo. Mas as coisas não foram tão tranquilas assim para o radialista, que acabou com um olho roxo e dois dentes quebrados. Jonas perdera a paciência.
Eriovaldo Ricardi, o Valdo como era conhecido e chamado pelos amigos, estava na meia idade. Havia trabalhado em revistas famosas, fora até ancora de TV em sua cidade natal, mas as coisas não deram muito certo e ultimamente ele se dividia entre um canal próprio do YouTube e a revista de ficção OVSNI, de onde tirava o sustento.
– Estou pronto para ouvi-lo. – Disse, colocando o telefone celular em cima da mesa de madeira para gravar a conversa.
Não queria deixar Jonas constrangido, ainda mais quando ele foi tão gentil em recebê-lo na sua casa. Percebeu que ele estava inquieto e viu que precisava falar um pouco mais ou perderia a entrevista.
Valdo estava contente de estar ali, naquele meio de tarde quente. Olhou em volta para a varanda que rodeava a casa do sítio e sentiu o quanto Jonas era afortunado de viver ali. Aguardou a mulher do Jonas trazer um bule de café e alguns biscoitos, cumprimentou-a e voltou a pensar em Jonas.
– Vamos com calma então Jonas, preciso gravar essa entrevista para não perder nenhum detalhe do que você falar. Pode ter certeza que nossa revista não inventa e nem aumenta.
Os dois homens começaram a rir do clichê e Jonas acabou descontraindo um pouco mais. Pegou o bule com café ainda fumegando e serviu a ambos.
– É – Jonas falou olhando Valdo nos olhos – assim é bom para nós dois. Muito bem, vamos lá. Não é uma história longa.
– Eu estava voltando da cidade para casa depois de um aniversário que eu tinha ido. Isso há uns dez anos. Um amigo da família, sabe? Daqueles que a gente não tem como fugir. Não lembro bem o porque de o bolo ter sido cortado tão tarde, mas a festa só acabou depois que a luz acabou naquela parte da cidade.
– Me despedi da família, fui até o estacionamento pegar a velha caminhonete e voltar para casa. Era uma viagem tranquila de trinta minutos no máximo e a estrada era muito boa. Naquela hora, passava da meia-noite, a estrada estava deserta. De repente, uma luz apareceu no retrovisor. Depois de um ou dois minutos, um carro esportivo me ultrapassou na rodovia e estava me deixando para trás quando minha caminhonete começou a ratear. Foi assim por algum tempo até que o motor morreu completamente e eu estacionei no acostamento depois de uma centena de metros.
– Ainda lembro que fiquei muito zangado. Saí da caminhonete, peguei a lanterna no porta-luvas e tentei acender, mas não funcionou também. Foi quando escutei a voz de alguém que me chamava a distância. Era o motorista do carro esportivo que me ultrapassara há minutos. Fiquei muito surpreso porque, convenhamos, quais as chances de dois carros darem defeito no mesmo lugar e na mesma hora?
– O carro esportivo estava há uns cento e cinquenta metros no máximo e pude ouvir a voz do homem me perguntando se meu celular funcionava. Estávamos indo despreocupadamente um ao encontro do outro quando percebemos que um facho de luz acendeu no meio do mato, acima das árvores e nos iluminava. Era enorme.
– Fiquei parado alguns segundos, aterrorizado, não conseguia me movimentar. Foi quando escutei o homem começar a gritar e pedir socorro, enquanto levitava no ar e era levado em direção a luz. Demorei alguns segundos ainda e só pensei em correr para a caminhonete quando vi o tamanho da coisa que estava em cima de nós.
– Desesperei quando percebi que eu também estava sendo puxado para dentro do objeto. Então tudo ficou escuro, mas eu ainda conseguia ouvir o que parecia ser dois homens gritando na escuridão. Um deles, com certeza, era eu.
– Fui acordando aos poucos em uma sala estranha. Eu estava deitado nu em uma mesa fria, amarrado pelos braços, pernas e tórax. Levantei a cabeça e vi que haviam mais duas pessoas a minha direita, também nus e amarrados como eu. Estavam completamente inertes. As luzes começaram a piscar e apaguei de novo.
– Acordei repentinamente e haviam homens, ou pareciam ser homens, muito magros e muito altos, sem cabelos, ao redor dos outros dois. Pelo menos três ao redor das outras pessoas deitadas nas mesas. O mais próximo de mim era o motorista do carro esportivo. A outra pessoa parecia ser uma mulher, muito magra com a pele acinzentada e estranha.
– Eu conseguia ouvir o zumbido metálico de máquinas misturadas a palavras que eu não conseguia entender. Então, uma das pessoas parou de se mexer. Levantei a cabeça e vi quando um dos altões foi saindo da sala. Ele olhou para mim e parecia querer esconder algo até que um dos outros disse algo incompreensível para ele, que parou de repente e virou. Foi quando eu comecei a suar frio e tentar me mexer, mas estava paralisado, apavorado. Um grito morreu em minha garganta. Ele carregava uma cabeça, a do motorista do carro esporte. Desmaiei de novo.
– Acordei e estava em casa dessa vez, com uma forte dor na cabeça e também nas costas. Do local onde estava a caminhonete até aqui em casa, são mais de cinco quilômetros. Caminhei essa distância até achá-la e trazê-la para casa. Nunca mais vi o carro esporte, ele não estava lá. Nem seu motorista.
Valdo olhava para o homem. Já escutara este tipo de história dezenas de vezes. Escrevera sobre outras delas, outras dezenas de vezes. Estava se questionando o que houve de errado na entrevista de duas semanas atrás. Desligou o gravador do celular na frente do homem e o deixou na mesa para que ele pudesse ver.
– Escute Jonas, sem querer ofender, e com todo o respeito, o que houve na entrevista na rádio quinze dias atrás que você socou o cara que estava te entrevistando.
Jonas Claiborn ficou sisudo de repente, a sobrancelha se fechou e ele falou pausadamente para Valdo.
– Aquele malcriado. Acredita que ele xingou minha mulher de magrela horrível e disse que ela era tão feia que parecia um personagem de filme de terror? Aquilo me subiu a cabeça e quando vi, já tinha arrebentado a boca daquele cachorro.
Valdo estava controlado. Jamais riria do homem, muito menos daquela senhora.
Jonas olhava para a mulher que se aproximava, pegou-lhe as mãos e beijou.
– Ela salvou minha vida – disse enquanto ela se afastava silenciosamente levando o resto do café e dos deliciosos biscoitos que só as mulheres das cidades do interior fazem – Já está anoitecendo sr. Eriovaldo. Pode pousar aqui essa noite.
Valdo não pensou duas vezes. Seria uma excelente oportunidade para conhecer aquela família melhor. Tomou um bom banho e depois foram jantar. A comida era deliciosa.
Depois foram sentar na sala e conversar sobre uma série de coisas e quando Jonas começou a dormitar sentado no sofá em frente a velha televisão, Valdo resolveu perguntar à mulher.
– Sra Claiborn? E a sra. não tem nada interessante a contar?
Ela apenas sorriu e meneou negativamente a cabeça e foi se sentar ao lado de Jonas. Eles eram um casal estranho. Estranho mas bonito, estavam sempre juntos. Mais tarde perto de ir deitar Valdo percebeu que o sr. e a sra. Claiborn olhavam para ele enquanto seus olhos ficavam pesados.
Pouco depois foi para o quarto que o casal havia preparado para ele dormir. Foi um sono pesado, cheio de detalhes sobre o que havia acontecido com Jonas. Sonhou também com uma enorme nave em formato tubular que pairava sobre a casa, como ele e os Claiborns tentavam desesperadamente manter as janelas fechadas, e a luz azulada insistia em entrar pelas frestas da casa antiga e principalmente, como Jonas procurava defender sua mulher.
Valdo foi embora bem cedo no outro dia pela manhã, despediu-se do casal, foi para o aeroporto e voltou para sua cidade.
Escreveu um artigo sensacionalista onde contou sobre o que havia acontecido com Jonas, a abdução, o horror e como ele havia acordado em sua casa na manhã seguinte. Foi um sucesso.
Entretanto, obviamente nada escreveu sobre o que os Claiborns lhe confidenciaram na madrugada, sobre uma terceira pessoa que estava presa com Jonas, uma mulher alienígena, de uma espécie diferente dos seus captores. Muito magra e muito parecida com um ser humano. De como ela conseguiu se libertar naquela sala dos horrores e ajudou Jonas a fugir. Não escreveu sobre como eles correram nus pelo matagal após saírem da nave, até se esconder na casa dele, apavorados, até o próximo dia clarear.
Mesmo com o passar das semanas, Valdo tinha dificuldade para dormir. Lembrava-se, como se um sonho fosse, das luzes naquela madrugada e sobre como ele e os Claiborns estavam apavorados.
Mas uma estranha frase que Jonas lhe confidenciou enquanto se despediam, não lhe saia da cabeça.
– As vezes, à noite, eles voltam.
Fim.
Um conto de Swylmar Ferreira
Imagem meramente ilustrativa