Blog para contos de ficção científica, literatura fantástica e terror
A velha casa da família era grande para os padrões modernos e ficava em um dos bairros mais afastados da cidade, onde os pequenos sítios garantiam a liberdade das famílias que os possuíam. Naquele momento Sílvio tentava chamar a atenção de seu velho tio. Ambos estavam sentados na varanda da casa, em cadeiras de madeira, daquelas de espaldar reto e braços altos no estilo poltronas, um de cada lado da mesa de madeira ovalada que ainda guardava os restos de um bolo de laranja e alguns pães de queijo que sobraram do café que tia Mai havia feito pela manhã
– Sabe, tio Carlos – eu sempre quis viajar sozinho, como o senhor, passar por lugares diferentes, conhecer pessoas diferentes… – Sabe como é?
Carlos não estava muito a fim de conversa naquele momento. Estava meio sonado. Sabia que Mai e Rosa estavam na cozinha da casa. Na verdade, podia escutá-las pela janela aberta. Os risinhos de sua irmã e de sua mulher eram inconfundíveis, elas pareciam se divertir por qualquer coisa enquanto davam início aos preparativos do almoço.
A única resposta que Sílvio conseguiu foi um breve sorriso e assentimento leve com a cabeça. Um par de minutos e seu tio já estava ressonando, perfeitamente encaixado na velha cadeira.
Sílvio olhou o velho por um instante, colocou mais um pouco de café na xícara, pegou um par de pães de queijo da vasilha e levantou. A varanda circundava toda a casa, mas a parte de trás onde estavam contava com o dobro do tamanho. Ideia de seu tio na última reforma. Apoiou-se na grade de proteção enquanto bebia a última gota do café.
– Eu ainda queria viajar tio – disse mais para si do que para o velho – sentou-se de novo, fechou os olhos e passou a lembrar a história da família.
– Mas você já saiu comigo algumas vezes… – falou o velho, mais sonado ainda.
O velho Carlos era o irmão mais velho de sua mãe, fruto de um primeiro casamento de vó Tilda.
Dona Rosa, sua mãe, já havia contado a história da família uma dúzia de vezes, pelo menos. Dona Tilda, como Dona Rosa chamava sua avó, havia tido o Tio Carlos do seu primeiro casamento, o de verdade, como ela costumava dizer. Ela tinha apenas quatorze anos quando ele nasceu.
Depois de alguns anos o pai de Carlos faleceu e ela foi para mais perto da “cidade grande”, abandonando a velha casa e deixando a criança com a família dela.
A casa ficou abandonada por algum tempo até que Carlos, ainda rapazote, resolveu mudar pra lá sozinho.
Dona Tilda voltou para a casa doze anos depois, com marido novo e Rosa ainda de colo, para reencontrar Carlos. Mas isso demorou um par de anos a mais. Quando foram procurá-lo, disseram que ele havia ido para uma cidade vizinha e sumido. Aquilo deixara sua mãe desesperada.
Sílvio olhou para o tio Carlos e pensou em como ele estava velho. Dona Rosa dizia que ele era 15 anos mais velho que ela, mas parecia ter muito mais. Dona Rosa dizia sempre que aquela era a casa dele. Foi do pai dele, do avô dele, bisavô, etc… O rapaz colocou a xícara sobre a mesa e começou a se afastar quando ouviu uma voz.
– Ainda quer viajar sozinho? Irá sozinho mesmo, estou cansado disso.
Sílvio olhou para trás e viu a mão do velho estendida. Uma chave muito antiga e de formato especial estava sendo oferecida a ele. Imediatamente a reconheceu. Era igual à chave que Dona Tilda costumava carregar diariamente em seu bolso até falecer, a mesma que Dona Rosa passou a carregar em um colar enquanto Tio Carlos viajava.
Desde pequeno ele tinha curiosidade para saber o que havia naquele quarto. Antes de ir lá pela primeira vez, chegou a perguntar à sua mãe um par de vezes, mas ela sempre dava respostas evasivas. Nunca teve coragem de perguntar à Dona Tilda.
Carlos se ajeitou na cadeira de madeira para falar com seu único sobrinho.
– No quarto antigo da casa, você pode fazer as maiores viagens que um homem poderia imaginar fazer em sua vida. Poucos homens nesse e em outros mundos têm esse privilégio. Você sabe disso.
Carlos olhava para o enorme quintal da casa do interior.
– Você estudou bem os livros que eu te trouxe? Os pergaminhos? Sei que tem mais interesse em internet, celular e tablets, mas espero realmente que tenha estudado aquele material. Também espero que tenha aprendido o idioma de sua tia Mai.
Carlos sorria para o jovem enquanto tomava uma das decisões mais difíceis de sua vida. Sua irmã já havia dado o “de acordo” para que Silvio aprendesse os modos de viagem da família.
– Ainda quer viajar? – disse Carlos balançando a mão aberta.
– Há muitas formas de se conhecer o mundo, ou mesmo outros mundos, como você já sabe – disse evasivamente.
– Mas vai viajar sozinho? – Repetiu.
Sílvio pegou lentamente a velha chave das mãos de seu tio. Sentou de novo ao lado do tio Carlos e lembrou que esteve muitas vezes parado na frente daquela porta, até que tio Carlos o levou “para seu primeiro passeio”.
Na primeira vez era apenas um rapazote e estava tão nervoso que não reparou em nada no quarto. Nada! Apenas o outro lado daquela porta circular estranha que atravessaram e que dera diretamente em uma ruela de barro. Literalmente saíram por uma parede.
Sorriu ao lembrar que ainda olhou para trás e viu apenas uma parede de estuque coberta com alguns tecidos e à frente um grupo de seis bancas que serviam de guarda para muitos tecidos e roupas. Mais a frente um homem careca os olhava sorridente e parou o que fazia para abraçar seu tio e passar a mão em sua cabeça. O lugar era como uma feira onde estranhas pessoas se vestiam estranhamente e vendiam comidas e objetos como se cantassem uma ladainha que, com o passar dos anos, sua tia Mai o ensinou a compreender.
O clima do lugar era muito bom, mas muito seco e tio Carlos trazia água para ele quase que de hora em hora. Foram para a casa de Haimim, o amigo que parecia aguardá-los e ele pode se divertir com os filhos e filhas adolescentes dele.
Adorou o lugar e nos dois dias que passaram lá conheceu muitas pessoas como Haimim e sua família, de narizes curtos, que eram amigos do tio Carlos. Apesar de pouco tempo, a viagem com seu tio compensou os quase dois meses de férias que não havia saído da casa. Por fim, Sílvio ganhou algumas roupas do lugar e mesmo voltando, insistia em vestir as roupas que seus colegas de escola diziam ser ridículas.
****
Voltou sua atenção para aquele momento e olhou Dona Rosa e tia Mai cozinhando e rindo de alguma coisa tola que assistiam na TV.
Mas Sílvio não foi o primeiro a ser levado a um passeio pelo tio Carlos. Sabia que Dona Tilda havia ido com ele um par de vezes ou mais e sempre se divertia muito. Sabia também que Dona Rosa, sua mãe, tinha ido ao menos uma vez, pois os viu chegar pela porta do quarto ainda assustados, ele tinha uns 14 anos na ocasião. Lembrava-se claramente dos dois saindo do quarto. Sua mãe estava muito nervosa, segurando uma pistola na mão enquanto tio Carlos trancava a porta do quarto. Ainda lembrava de escutar os gritos de sua mãe perguntando “Se aquelas coisas não os haviam seguido”, “Se não podiam segui-los através do portal”. Levou semanas para que ela se acalmasse. Depois daquela vez, demorou bastante para que tio Carlos viajasse de novo. Mesmo assim ele foi sozinho.
– Onde teriam ido? – Perguntou Sílvio a si mesmo bem baixinho olhando para seu tio.
– Com certeza não era na Vila que tinha ido no primeiro passeio – respondeu em voz alta.
A chave em sua mão o deixava inquieto. Era um homem agora. Não um adolescente.
Pegou mais um pão de queijo e o mastigou enquanto olhava para o enorme quintal. Voltou-se e foi até a janela alta e percebeu que as duas mulheres o olhavam. Viu apreensão nos olhos de sua mãe e em troca apenas sorriu.
Foi até seu quarto, trocou suas roupas e colocou uma bota que geralmente usava para fazer trilhas. Passou no quarto de vó Tilda para pegar a pistola e um par de facas que seu tio sempre deixava lá e então foi direto para o quarto, parando na frente da porta.
Antes de abrir lembrou-se de que sua mãe uma vez contou sobre quando “conheceu” finalmente o irmão mais velho. Ela disse que, quando ainda era menina, acordou com barulhos estranhos vindos do quarto e pouco depois, pessoas pareciam conversar animadamente. Logo reconheceu a voz da Dona Tilda que ria animadamente. Rosa continuou caminhando em direção à cozinha, quando chegou Dona Tilda a abraçou e disse: – Lembra-se de Carlos, seu irmão?
Ela estava em choque. Tinha quatro anos ou menos quando o viu por último, é claro que não se lembrava, mas no automático balbuciou que sim. Mesmo assim foi até aquele homem vestido estranhamente, parecia o personagem “Indiana Jones” ela contou, e o abraçou.
Ela ganhou um estrondoso beijo nas bochechas e um colar que, daquele dia em diante, nunca tirou. Rosa tinha oito anos.
Dona Rosa falou que conviveu animadamente na companhia de seu irmão mais velho por alguns meses, então ele viajou de novo. É claro que perguntou à Dona Tilda pelo irmão recém-descoberto, mas sua única resposta fora um triste sorriso.
Rosa somente viu seu irmão outra vez cerca de três meses depois e daí em diante ele ia e vinha de suas viagens, sempre trazendo presentes e coisas estranhas. Dona Rosa disse que em uma das viagens daquela época Dona Tilda adoeceu e andava ansiosa para ele voltar. E ele voltou.
Daquela vez Carlos estava diferente, mais confiante, alegre e falou, à Rosa, de uma moça que vivia em um dos lugares por onde ele ia que tinha muito interesse nela. Falou que tinha que levar Dona Tilda para conhecer a moça.
Carlos outra vez partiu em viagem, dessa vez levando Dona Tilda. Eles demoraram semanas no passeio e por incrível que pareça, fez muito bem a ela. “Era o ar”, dizia ela.
Mas algo aconteceu e seu tio Carlos precisou fazer uma nova viagem. Daquela vez havia se passado mais de um ano e ele não retornava. Nesse meio tempo Rosa se casou com o namorado e foi com seu marido para outra cidade. A ausência do tio Carlos no casamento a havia deixado muito chateada.
Dona Tilda ficou só na casa.
Rosa logo ficou grávida e perto de ter seu primeiro filho, ficou viúva em um acidente de trânsito. O pai de Sílvio estava dirigindo quando perdeu o controle e bateu em um poste. Depois de algumas semanas, ela retornou à casa de sua mãe com Sílvio no colo.
Os anos passavam lentamente na propriedade e Sílvio havia feito um ano quando Carlos voltou. Certa noite, Dona Tilda chamou Rosa e disse que precisava de ajuda. Ambas foram até o final do antigo corredor de madeira e abriram a pesada porta. Aquela foi a noite da chegada de Carlos e Mai, foi a viagem mais longa de tio Carlos.
No outro dia a posse da estranha chave estava com Dona Rosa.
Haviam se passado vários anos e agora Sílvio estava ali, em pé olhando a porta antiga e com a chave que tanto sonhara nas mãos. Respirou fundo, colocou a chave na velha fechadura de metal, a girou fazendo um barulho engraçado e entrou.
O quarto como ele se lembrava era simples e como a casa, era construído em parte de tijolos de barro e parte madeira, com exceção de uma das paredes que era feita de uma única laje de pedra, um monólito branco. Era estranho pois do lado de fora aquela parede simplesmente não existia, pois o estuque em forma de emboço fez com que desaparecesse décadas atrás, tirando-o da vista de curiosos.
Sílvio deu um par de passos quarto adentro e parou. Olhou mais uma vez o formato do quarto, todos aos móveis e quadros pareciam convergir para a parede de pedra. Aproximou-se do monólito, percebendo uma série de círculos concêntricos e identificou a parte onde havia alguns rabiscos que ele logo identificou como sendo os hieróglifos que seu tio lhe ensinou a reconhecer durante seus anos de meninice.
Aquela era a segunda vez que se encantava com os hieróglifos. Puxou uma das cadeiras que eram mantidas encostadas na parede e ficou observando o monólito pela enésima vez.
Lembrou-se que quando tio Carlos o convidara para um segundo passeio ficara muito excitado e feliz. Havia corrido e falado com sua mãe sobre o convite e ela olhou seu tio logo atrás dele. Mal haviam entrado no quarto e Tio Carlos já estava manuseando os hieróglifos.
Daquela vez, segundo ele, iriam para um lugar diferente. Seu tio fez uma formação de frases tocando os hieróglifos e quando estas se formaram, a porta abriu permitindo que uma névoa fria e úmida entrasse quarto adentro e eles penetraram nela.
Era noite naquele lugar e Sílvio viu que seu tio puxou sua pistola, era quase um ritual pelo que entendia. Carlos demorou um tempo espreitando o lugar, era estranho ver Tio Carlos agachado e desconfiado. Dava pra perceber também que ele estava todo arrepiado, fosse pela garoa fina misturada ao vento forte e frio, fosse pelo medo de estar em uma floresta escura, densa e difícil de se caminhar. Podia haver qualquer tipo de vida ali e se houvesse certamente seria selvagem e perigosa.
– Marcou bem o lugar Sílvio?
– Sim tio – respondeu – duas árvores velhas apoiadas uma à outra formando um V invertido, bem próximo a este olho d’Água.
Saíram da confluência das árvores e imediatamente Sílvio ligou sua pequena lanterna de led e procurou algumas pedras para fazer um marcador que eles pudessem identificar. Viu que seu tio ainda estava agitado.
– É a primeira vez que venho aqui à noite e esta floresta é perigosa – disse Carlos guardando a arma.
– Essa pistola seria útil contra uma criatura selvagem daqui, tio? Deste mundo?
– Aqui, Sílvio, tudo é perigoso. Não esqueça e sim. É uma pistola calibre 357 e isso derruba qualquer coisa. O problema aqui são os habitantes, são muito desconfiados. Precisamos ter cuidado para não sermos confundidos com os habitantes do continente.
– Continente? – Silvio se lembrou. Estamos em uma ilha.
– Sim. Não esqueça que lhe falei que aqui, neste mundo, a evolução se deu de modo diferente do nosso. Aqui existem três luas, uma grande como a nossa e duas pequenas e isso acabou refletindo na formação continental daqui fazendo com que exista apenas um continente enorme e este conjunto de ilhas. A evolução também foi diferente.
Logo pegaram as coisas que haviam trazido de casa e partiram. Levaram todo o dia seguinte caminhando para sair da floresta e avistar uma cidade enorme.
Entraram na cidade durante a noite por uma área pouco populosa, mais industrial e logo em seguida chegaram a uma área residencial. Carlos achou que algo estava errado, pois apesar de ser madrugada, deveriam ter algumas pessoas circulando por ali.
Chegaram na entrada de um galpão velho, então Carlos tirou a chave do bolso e apontou para a porta que abriu. Sílvio adorava aquilo, a chave abria qualquer coisa, em qualquer lugar.
Sílvio empurrou a porta e eles entraram, subiram dois lances de escada e se viram em uma enorme área aberta. Foram até um armário, apanharam roupas locais e se trocaram
– Tem algo errado, Sílvio – falou Carlos apreensivo – a cidade parece vazia, morta. Onde está a população?
Logo que amanheceu, Carlos e Sílvio saíram para as ruas e o que viram deixou tio Carlos boquiaberto. A população estava cabisbaixa, eles haviam sido invadidos por outra espécie muito parecida com outra que ficava do outro lado daquele mundo.
– Eles eram inimigos, tio Carlos? – perguntou Sílvio ainda temeroso de ver tantos soldados pelas ruas.
– Não – disse seu tio enquanto comprava alguma coisa retorcida parecida com pães e outros alimentos em sacos de papel – ao contrário, apesar de neste mundo haverem florescido duas espécies inteligentes ao mesmo tempo. O povo da cidade insular, os chamados Irsos, sempre foi em menor número do que os continentais, os Osdorvos, e também eram mais evoluídos. Estavam ao menos dois séculos à frente dos continentais em tecnologia. Isto jamais poderia acontecer.
Foram até o centro da cidade e diversos edifícios haviam sido derrubados, assim como diversos automotores destruídos. Mas algo mais estava errado e Carlos finalmente conseguiu descobrir o que era. O Clima.
Estava frio demais. Demais para as duas espécies. Não havia neve, mas o clima deveria estar perto de uns cinco graus Celsius no máximo. Os invasores conseguiam dominar tecnologicamente a temperatura do planeta.
– A comunicação aqui era como em casa – disse Carlos – com telefones celulares, ainda mais avançados e não vejo ninguém se comunicando. Vou ter que ir até um lugar, ver se acho o Manfri, um amigo daqui, se não conseguir deixo um recado. Mas antes te deixo em nosso abrigo.
Sílvio estava sozinho a mais de um dia, havia decorado a posição de cada móvel, trocado cada um deles de posição ao menos uma vez e descido os lances de escada umas cinco vezes e espiado pelo pequeno buraco, onde algum dia havia existido um tipo de olho mágico, enquanto esperava por seu tio Carlos.
Havia lembrado e relembrado também as recomendações de sua mãe sobre a questão de obedecer a seu tio, mas já havia decidido que se ele não voltasse em mais um dia, apanharia a chave que seu tio e ele esconderam e tentaria voltar para casa. Esse era um dos acordos deles.
Por sorte não precisou chegar a tanto, ao anoitecer Carlos chegou no abrigo. Estava cansado e com fome. Contou ao sobrinho que teve muitas dificuldades para passar por barreiras impostas pelos invasores e que finalmente havia conseguido chegar a uma escola onde seu amigo trabalhava. Tentou achá-lo mas ele não estava e acabou deixando seu anel como um recado.
No outro dia pela manha escutaram alguém bater à porta. Imediatamente Carlos foi ao outro lado, em uma abertura na parede e olhou em direção à porta. Era Manfri.
Após abraços e cortesias costumeiras daquele povo, Manfri contou a eles que cinco anos atrás um portal havia se aberto em sua lua principal e centenas de astronaves gigantescas passaram por ele e que, para sua surpresa, eles eram de uma espécie idêntica aos Osdorvos, só que cerca de meio metro mais altos, mais forte fisicamente e é claro, muito mais inteligentes.
– Mas não houve tentativas de acordos? – perguntou Carlos se sentando enquanto bebia um tipo de chá junto com seu amigo Manfri.
– Sim Carlos, nós tentamos. Infelizmente nos acusaram de colocar os Osdorvos para fazerem trabalhos escravos e, pior ainda, de impedir que eles evoluíssem. O que era uma acusação descabida e também uma desculpa para a invasão. As três cidades insulares foram completamente tomadas mas nenhum dos Osdorvos veio para cá. Ainda estão no continente.
– O que vocês pretendem fazer? Seus lideres políticos planejam algo? Ou seus guerreiros? Questionou Carlos.
Manfri estava engasgado pela emoção. – Tentamos uma revolta e logo em seguida também tentamos fazer algo como uma resistência. Descobrimos que a cada um deles que era morto eles exterminavam uma centena dos nossos e colocavam outra centena dos deles nas cidades insulares. Descobrimos que os Osdorvos estavam sendo tratados como serviçais, e enviados pelo portal espacial para algum lugar.
– E o que vocês pretendem fazer? Sílvio perguntou impaciente.
– Não vejo nada que possa ser feito, além do que estamos fazendo. Alguns de nós estão indo para o continente, estamos ensinando aos Osdorvos em suas pequenas vilas.
Manfri sorriu.
– Eu, como vocês, fui escolhido para ser um desbravador, e tomei uma resolução que pode ser questionável. Intervir. Estou levando alguns dos Irsos através do portal da floresta para outro mundo, tentando salvar minha espécie. Estou levando alguns Osdorvos também para que vivamos juntos, para crescermos como uma civilização única formada pelas duas espécies.
Manfri olhou seriamente para Carlos e Sílvio e seus olhos mostravam grande preocupação desde que haviam começado a conversar.
– Devíamos ter ensinados aos Osdorvos desde o início. Devíamos ter feito com que eles tivessem a mesma tecnologia que nós. Talvez assim, juntos, pudéssemos rechaçar a ameaça, pudéssemos ao menos ter tentado lutar pelo nosso mundo. Sabíamos pelos achados arqueológicos que essa raça provavelmente já havia estado aqui anteriormente, mas não tivemos o amadurecimento necessário para fazer o devia ser feito.
Manfri olhava duramente para Carlos e Sílvio.
– Não há mais nada para vocês aqui.
Se levantou, abraçou Carlos e Sílvio e se foi.
– E nós, tio Carlos? – perguntou Sílvio apreensivo.
– Vamos para casa.
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Sílvio estava feliz com as lembranças. Pegou a parte de trás da chave e enfiou em uma pequena fenda no monólito branco. Imediatamente um grupo de hieróglifos mudou de cor e ficaram em uma cor escura tornando-os muito fáceis de identificar e ler. Ele passou os dedos por alguns deles formando um nome. Empurrou mais ainda a chave e então dois círculos começaram a girar em sentidos contrários, em seguida mais dois, depois outros dois até que todos eles estivessem rodando em impressionante silêncio até parar, praticamente todos de uma só vez, correndo para o lado direito, mostrando a Sílvio um portal de onde saia uma fraca luz verde em meio a um nevoeiro.
Aquela seria sua primeira viagem sozinho. Foi na direção do estranho portal, colocou a mão para o outro lado e cheirou o nevoeiro. Olhou de novo para a laje, retirou a chave e entrou.
Fim
Um conto de Swylmar Ferreira
Imagem meramente ilustrativa retirada da internet
Interessante conto. Aliás, meu passatempo predileto.