Blog para contos de ficção científica, literatura fantástica e terror
Pedro atravessava o campinho de futebol correndo e gritando. Ria-se e regozijava-se de sua última ação criminosa: estupro. Deixara a mocinha caída na beira do mato, aquilo não era grama, ainda com as calças arriadas até as canelas, a calcinha rasgada, semidestruída, tonta pela pancada que ele lhe dera por trás da cabeça.
Tinha visto que três vezes por semana a “mina” cortava caminho por ali, em geral tinha sempre um grupo de rapazes jogando bola, mas aquela noite ele tinha apostado que não teria ninguém, a garoa fina estava muito fria.
Aquela moça não era sua primeira vítima e nem seria a última. Continuou correndo, trotando para dizer a verdade, quase como uma criança, até alcançar o parque. Parou, olhou para trás e não viu ninguém. Continuou andando, agora pelo meio do mato que ele passou a conhecer muito bem nos últimos meses, ali era a sua área de conforto. Ali ele, em seu pensamento doentio, imaginava e planejava toda a “ação”. Pegou a “trilhinha”, como ele chamava um pequeno trecho de terra batida que cortava o parque municipal, agora quase todo tomado pela vegetação rasteira e ia o mais rápido que podia para atravessá-lo.
Não ia dar “mole pros home”, principalmente agora que estava ficando famoso, seu “trabalho” estava até saindo na televisão. Que importa se aquele repórter “arrombado” ficasse malhando. Ele que se f…
Parou de novo e olhou para trás. Estava com uma sensação esquisita que alguém o estivesse observando. Achou uma árvore grande, nas margens da trilha e se escondeu atrás dela. Esperou alguns minutos e nada, ninguém, apenas o barulho dos insetos e pássaros noturnos que habitavam o lugar. Resolveu continuar, afinal com aquele frio…
Tirou o celular do bolso e botou os fones de ouvido, colocando os sons prediletos, bem alto e continuou a caminhar. Estava tranquilo agora, na boa. A lua, muito clara por sobre sua cabeça iluminava-lhe o caminho, sorria alegre e “satisfeito”. Então algo passou a sua frente na trilha, a uns cinquenta metros na frente, se a noite estivesse escura ele nem notaria, mas aquilo o deixou “com a pulga atrás da orelha”, como falava seu padrasto. Deu uma corridinha de leve para se aproximar e já pegou a “peixeira” que usava na cintura, às costas para qualquer emergência.
— Vai se f… comigo, Mané. Gritou para o que quer que fosse. Tô com um presentinho aqui procê.
Nada! Não tinha nada ali. Ninguém. Estava imaginando coisas, pensou. Ouviu um farfalhar de asas ao longe. Sentiu medo.
Agora ele não sorria mais e um leve tremor em suas mãos era visível. Estava quase chegando do outro lado do parque e decidiu correr, afinal aos vinte e cinco anos ele se considerava um atleta. Engana-se quem achava que um cara que fizesse com as mulheres o que ele fazia fosse um cara feio, esquisito. Ao contrário, ganhava “as minas” que queria, na boa. A questão era o prazer. Gostava de se considerar um bandido, um marginal. Não fumava, não bebia, mas era “considerado” e “respeitado” pela bandidagem da área.
Conhecia o lugar e sabia que a saída do parque estava em torno de quinhentos metros à sua frente, mas enquanto corria, inúmeros pensamentos “idiotas” começaram a assaltar e aflorar em sua mente doentia. Começou a imaginar vampiros voando e aparecendo à sua frente, até mesmo um lobo enorme, monstruoso que ficaria em pé e uivaria para a lua, um verdadeiro e terrível uivo, como o do filme de terror clássico que ele havia visto.
Nada!
Será que era como uma de suas vítimas tinha dito enquanto chorava. Era um covarde?
Continuou correndo, agora lentamente, até a cerca que protegia e delimitava o parque, subiu no alambrado arfando, puxando o ar o mais rápido que podia enquanto olhava para trás. Saltou para o outro lado, atravessou a rua deserta do subúrbio e entrou na avenida principal. Pensou em ir até o buteco do Arnaldo e se recuperar um pouco, já que era a meio caminho de sua casa e dali onde ele estava, conseguia ver o letreiro amarelo e azul iluminado com o nome “Arnaldo’s”.
— Cara sem imaginação, falou.
Chegou perto, andando aos tropeços, suando frio para ver as duas portas fechadas, com os dizeres, “Fui ao jogo”.
— Fanático filho da p…, disse em voz alta e agora aos prantos. Olhou ao redor, as casas simples tinham poucas luzes acesas naquele momento. Como em todo o bairro de subúrbio, os muros eram altos e sempre havia um vira-latas para latir e intimidar gente como ele.
— Alguém me ajuda, gritou.
Silêncio apenas.
A rua estava deserta e nesse momento ele viu uma silhueta, parada a dois postes de distância, embaixo da iluminação pública. Não conseguiu distinguir se era homem ou mulher, mas de alguma maneira ele sabia que aquele era o seu perseguidor. Aquele homem, mulher ou coisa o estava perseguindo desde que entrou no parque, desde que ele “comera” a moça. Começou a correr de novo, pegou o celular e ligou para casa.
Atendeu sua mãe.
— Socorro mãe – disse chorando copiosamente – como uma garotinha quando se perde da mãe em uma loja de conveniências.
— Pede pro pai abrir o portão que tem um cara me seguindo, quer me matar.
A mãe dele entrou em desespero e pediu que o padrasto fosse até o portão esperar o “menino” e espantar quem quer que o estivesse acuando.
Pedro chegou finalmente perto da porta de casa, parou embaixo do poste de luz e ficou lá, parado olhando estarrecido. Sua mãe e o padrasto olharam do portão e ele estava embaixo do poste que ficava bem na esquina e ele estava parado, congelado.
Os olhos amarelos chegaram aos poucos a uma curta distância de Pedro. Ele nunca tinha visto algo como aquilo. Grande, forte, não tinha cabelos, os olhos pequenos então começaram a mudar de cor, ficando vermelhos, vivos, injetados de sangue, excitados pela caçada. Pedro se urinou, se cagou. Deu um grito, de terror, de horror.
A lâmpada repentinamente se apagou. Sua mãe e o padrasto não viram mais nada, escuridão.
Pedro caiu no chão como se tivesse levado um tapa forte e foi arremessado a uns dois metros na escuridão. Então a coisa veio em sua direção, se aproximando, passo a passo, enquanto ele se arrastava de costas e gritava e urrava e gania e implorava aos berros chorosos pela sua vida, até que a garra do ceifador o tocou, levantou-o do chão, ele se sentiu estranhamente leve, enquanto sua alma era lentamente afastada de seu corpo e arrastada para o inferno.
Um conto de Swylmar Ferreira em 12 de outubro de 2019.
Imagem meramente ilustrativa, retirada da internet em http://www.wallhere.com/pt