Blog para contos de ficção científica, literatura fantástica e terror
O homem de gorro vermelho desceu do trenó ainda muito agitado, pois quase foi descoberto na casa da última cidade. Olhou para o controlador temporal e viu o mostrador digital marcar oito. Sorriu maliciosamente. E se deixasse chegar a zero antes de voltar para a alcova?
Deu de ombros. Olhou para a chaminé apertada e sorriu enquanto teclava um dos botões de controle do pad, transmutando uma pequena parte do telhado e descendo levemente, usando o modo gravitacional do aparelho, até tocar o piso da sala.
– Não é magia criatura idiota – falou para o menino de pijama vermelho, de cerca de 10 anos, que estava escondido atrás de uma das poltronas da sala, congelado no espaço-tempo.
Olhou mais um pouco para a esquerda e viu outro par de pequenos pés e pernas de pijama, de cor azul desta vez, sobressaindo por baixo do cortinado da janela principal. Havia ainda uma outra criança, também escondida, perto das escadas que iam para os quartos do segundo andar. Olhou o pad novamente e o colocou no modo de escanear. Mais duas pessoas no andar de cima. Duas mulheres.
– Criaturas patéticas – resmungou.
Parou e pensou em seu antecessor, que havia desaparecido no último tempo de doação. Havia a desconfiança que ele usava a tecnologia para maltratar os filhos dos homens. Dizia-se a boca miúda, após seu sumiço, que ele gostava de abusar de mulheres jovens e que o Conselho o vigiava há muito tempo.
É o poder, pensou – Uma tecnologia tão superior o tornava inalcançável.
Parou e refletiu por alguns segundos se devia ou não ir ao segundo andar, dar ao menos uma olhadinha. Olhou de novo o controlador temporal e o mostrador agora marcava o número três. Se fosse descoberto teria que retornar instantaneamente à sua realidade e os Conselheiros aumentariam o tempo que lhe restava de trabalho. Um século, talvez. Ele não aguentaria. Não mais.
Mesmo assim, sabendo que poderia ser castigado, subiu as escadas. Ajudado pelo carpete espesso que cobria o madeirame, foi pé ante pé até a porta do quarto e a abriu, o mais silenciosamente que pode. Viu uma mulher deitada na cama com uma camisola transparente que mostrava as nádegas. Ele enlouqueceu, tinha que se aproximar.
Mas onde estava a outra mulher adulta? Ponderou rapidamente.
– Que se dane. Dane-se também o conselho – falou em um sussurro – há séculos não vejo uma mulher.
Deu mais alguns passos em direção à cama e se abaixou, levantou a camisola lentamente e colocou uma das mãos na pele macia das nádegas da mulher, acariciando-a. Viu um arrepio acontecer.
Imediatamente sentiu um calor enorme em seu corpo. Logo em seguida a dor. Viu que algo estava muito errado quando percebeu a lâmina atravessada em seu tórax.
Ainda tentou falar algo, gritar, mas o grito morreu em seus lábios. Sentiu algo em seu pescoço e uma mancha azul puxar um fio metálico fino que entrava na traqueia.
– Pegamos mais um mamãe, gritou o menino de pijamas vermelho que junto do irmão arrastava o homem de gorro vermelho para fora do quarto.
– O trenó móbil desapareceu – falou a filha mais velha ainda resfolegando, depois de descer correndo as escadas do sótão.
A mulher vestiu rapidamente uma calça e arrancou o casaco de frio do homem e o vestiu.
– Não tem importância – ela disse para seus quatro filhos – pelo menos teremos o que comer neste natal.
Fim
Um conto de Swylmar dos Santos Ferreira Em 22 de dezembro de 2018.
Imagem meramente ilustrativa retirada de [br.pinterest.com/pin/665547651153474116]
O certo é:
– Não é magia, criatura idiota (…)