Blog para contos de ficção científica, literatura fantástica e terror
– Calma Sr. Nills. Não precisa ficar tão zangado!
O médico praticamente empurrou o homem furioso para fora do quarto e com a ajuda de Bernardo, um dos auxiliares de enfermagem, o levou até a sala reservada da emergência médica. Não largou o braço dele um instante sequer, pois havia o risco de agressão entre ele e o agente da polícia. O que estava de calça no estilo militar, camiseta preta, com duas pistolas enormes no coldre dos ombros e não parecia nada amistoso.
Pegou um copo de suco de laranja, daqueles bem ruins que servem no almoço dos residentes de medicina, tirou o plástico incolor que servia de cobertura e entregou ao homem.
– Beba devagar, Sr. Nills.
Tinha que “agradecer” à Isabella, a colega médica que lhe passou o plantão, por aquela situação. O homem ainda aparentava estar transtornado. Mesmo assim, bebeu o líquido fazendo caretas.
– Horrível! – Disse ele sobre o suco.
Lúcio Mauro Castanheda era médico obstetra há dois anos e nunca tinha visto uma situação daquelas.
Pensava no loiro alto vestido de preto. Qual a possibilidade de ver uma pessoa diferente como aquela dois dias seguidos? Ele teria me reconhecido? Claro que sim.
Ele apareceu em seu apartamento no dia anterior querendo saber sobre alguns pacientes, entre eles, a sra. Nills. Tinha um celular nas mãos e a todo instante falava com alguém que estava no hospital e queria saber onde estavam guardados os resultados de exames de alguns pacientes. Estava acompanhado por mais dois homens, um se identificou como Castro, delegado federal. O outro, o cara mais misterioso que ele tinha visto, que apenas observava em silêncio.
Enquanto o delegado e o loiro faziam perguntas sem parar sobre o Dr. Szambra e Cidi Nills, o homem misterioso fez uma pergunta que calou a todos.
– Acredita em alienígenas, doutor?
O silêncio na sala do apartamento, por alguns momentos, chegou a ser constrangedor. Foi obvio que nem o loiro nem o delegado esperavam por aquilo. Muito menos eu. O pior foi que ninguém riu. Aquilo não fora uma brincadeira. – O que? Respondi.
– Alienígenas – repetiu me olhando nos olhos – acredita, dr. Lúcio Mauro Castanheda?
Ele saiu de onde estava, acendeu as luzes do canto onde ficava uma mesa de trabalho e ficou cara a cara comigo. Devia ter ao menos um metro e noventa e cinco de altura.
– Já viu algum? Ou alguma? Pense bem – insistiu ele.
Eu não sabia o que responder. – Quem são vocês? – Perguntei.
O homem sorriu, voltou-se e sentou no sofá batendo ao lado para que eu fizesse o mesmo.
Sentei.
Bem, sabe que não posso responder isso doutor. Mas, vamos fazer assim: vamos brincar de talvez. Vi-o sorrir para os outros dois.
Talvez o delegado se chame realmente Castro e ele seja da DIP – inteligência da Policia Federal, o nome do soldado ali talvez seja Hallmmam – falou apontando para o loiro alto – quem sabe ele seria da inteligência militar. E se fosse, nem eu saberia qual delas. Já eu, talvez trabalhe para uma instituição multinacional chamada NROS, que envolve os serviços reservados da maior parte do mundo. Uma sigla estranha não é? Talvez doutor, apenas talvez, nós estejamos tentando fazer o melhor para a raça humana.
– Uma coisa posso garantir, agora sem talvez. Não há mocinhos ou bandidos aqui. Apenas sobreviventes. Ficou em silêncio me olhando por alguns segundos e continuou – O senhor acha que alienígenas são todos homenzinhos cinza, ou verdes? Igual falam em programas de fantasia ou de ficção? – Ele sorriu e por um momento mostrou o belo homem que era – não, caro doutor, alguns são parecidos conosco. Enquanto outros – e sorriu involuntariamente – são simplesmente iguais.
– Vivemos em tempos difíceis. Alguns desses alienígenas estavam em guerra e acabaram vindo para cá. Acreditam que podem continuar sua luta aqui, nos envolver, nos matar. Mas nós cansamos disso, doutor. Gostam de brincar, de se esconder. E cabe a nós encontrá-los. Nosso trabalho – apontou para os outros dois e para si – é esse.
O loiro alto que estava a todo instante com fone de ouvido do celular ligado, fez sinal de positivo e os três se encaminharam para a porta. Indubitavelmente quem conversava com o loiro havia encontrado o que procuravam.
Aquela foi a experiência mais estranha que Lúcio Mauro havia vivido. E vê-lo ali outra vez o havia deixado perturbado.
De qualquer modo, o episódio todo era muito confuso, envolvendo até um de seus professores na universidade, o professor Szambra e a filha dele. Fazia anos que não o via e ficou até feliz em saber que ela dera a luz ali.
– Sr. Nills – disse Lúcio Mauro com a maior calma – o que aconteceu?
Fernando Nills ainda estava muito agitado. Havia tentado ligar para seu primo, que era casado com uma policial civil, Nilza, mas não conseguiu contactá-los. Para dizer a verdade, não conseguia falar com ninguém naquele maldito telefone. Tirou o telefone do ouvido e olhou o equipamento. Se não tivesse lhe custado os olhos da cara, teria o maior prazer em arremessar o aparelho contra a parede.
– Bem. Tudo começou há alguns dias, quando aquele policial, o que estava de blazer amarelado, Celso se não me engano, veio até meu trabalho. Queria saber informações sobre o meu sogro e minha mulher.
Fernando tomou mais um gole do suco horrível e continuou.
– Queria saber coisas estranhas sobre o Dr. Szambra, se ele morava com alguém. Se ele morava na mesma casa com a Cidi, minha mulher, coisas assim, sabe? – Ficou olhando para o copo de suco ainda em dúvida – tem mais?
Bernardo Silva foi até a geladeira no canto do cômodo, abriu-a e pegou mais um copo de suco, entregando-o ao Sr. Nills. Chegou a pensar em deixar os dois na sala mas aquela história estava ficando cada vez melhor, pensou.
– Aquelas perguntas – continuou Fernando – me assustaram um pouco. Dei respostas lacônicas, me fiz de desentendido. Depois que ele foi embora, liguei para a mulher do meu primo e perguntei sobre os policiais. Ela ficou de ver e me ligar depois. Fui embora pra casa, afinal Cidi estava às vésperas de dar a luz, relaxei e dei o episódio por encerrado.
– Pelas duas da manha acordei com o telefone tocando. Atendi, era Nilza pedindo para eu descer do apartamento onde moramos e ir encontrá-la lá embaixo. Logo que saí na portaria vi o roto light, Nilza estava me esperando. Ela disse que aquele policial trabalhava em uma unidade secreta, e que tinha tomado uma bronca do delegado de uma unidade de serviço reservado. Ela disse que nem sabia que tinha aquela unidade na polícia. Depois que ela foi embora, subi e dormi.
– O problema é que a semente da desconfiança já havia sido plantada na minha cabeça, Dr. Lúcio, e dois dias depois, quando o Dr. Szambra foi jantar conosco, contei o que tinha ocorrido e perguntei o que estava acontecendo. Apesar das negativas, que não sabia de nada, percebi que ele e Cidi ficaram preocupados.
– Depois que o velho foi embora e eu e Cidi fomos deitar, fiquei pensando, rememorando. Cidi me contou que os pais dela tinha vindo para o nosso País logo após terminar o doutorado em medicina. Eles viveram aqui por muitos anos, até que a mãe morreu. Cidi tinha 10 anos. Eles são estranhos. Eu nunca vi uma foto da mãe dela. Para dizer a verdade, nunca vi uma foto deles.
– Eu e Cidi casamos no civil, no dia que fizemos um ano de namoro. Estamos casados há dois anos e esse é nosso primeiro filho. Nesse tempo todo só vi um tio dela, cunhado do Dr. Szambra. Ele estava encantado com o fato dela estar grávida. Escutei ele comentar a satisfação da família (deles) pela gravidez. Apertou as mãos do Dr. Szambra e disse que estavam conseguindo.
Bernardo, que observava o corredor com a porta entreaberta, avisou que os homens do quarto e os que estavam no corredor haviam ido embora. Fernando Nills se levantou e eles em segundos já saiam na porta.
Bernardo ainda perguntou se Lúcio Mauro não iria também mas ele pensava em outra coisa agora.
***
Fernando César Nills passou o resto da noite em claro com sua mulher e filho. Estranhamente tinha a sensação que alguém guardava a porta de entrada do quarto.
Pela manhã Cidi queria comer algo diferente. Enquanto estava na lanchonete comprando o “algo diferente” para Cidi, encontrou o Dr. Lúcio e Bernardo, que o convidaram a comer um sanduíche com eles. Conversaram algum tempo sobre coisas engraçadas, depois sobre casamentos e mulheres, até ser surpreendido por uma pergunta de Bernardo.
– Como conheceu sua esposa, sr. Nills? – perguntou Bernardo enquanto ria de uma piadinha que ele mesmo contou sobre casamentos.
Fernando Nills pareceu pensar por alguns segundos antes de responder.
– Foi há três anos, eu tinha passado toda uma tarde de sábado jogando futebol com um grupo de amigos. Depois do jogo, peguei meu carro e fui para casa. Tinha acabado de sair do banho quando alguém bateu à porta.
Um homem idoso – o Dr. Szambra – pediu ajuda. Estava com a filha no carro e precisavam de ajuda até o socorro chegar. Sabe como é, o bairro era perigoso. Ele e a filha, Cidi, ficaram conversando comigo mesmo depois de o socorro pegar o automóvel e ir embora, conversamos por horas. Por fim me ofereci para levá-los em casa e confesso que fiquei apaixonado por ela, tinha uma beleza incomum, talvez fosse os olhos grandes e azuis. Não é todo dia que se pode “ganhar” uma mulher bonita daquelas. Fui vê-la no outro dia.
Continuaram sentados nas cadeiras e ficaram em silêncio até que Fernando “quebrou o gelo” quando perguntou: E então doutor? Quando pode liberar minha mulher e filho pra ir embora?
– Infelizmente não posso liberá-la sr. Nills, ela não é minha paciente.
***
Lúcio Mauro acordou assustado com o telefone. Eram vinte e três horas e estava com um gosto horrível na boca. Não havia conseguido dormir mais que quatro horas e isso acontecia pela terceira vez naquela semana. Depois de sair do plantão pela manhã, ainda trabalhou no consultório que dividia com um amigo até o final da tarde, quando finalmente foi para casa. Agora isso. O recado dizia que precisavam dele com urgência.
Chovia copiosamente quando Lúcio chegou, estacionou o carro e foi direto para a enfermaria do segundo andar. Percebeu que tinha algo errado, onde estava a enfermeira ou enfermeiro da noite? Onde estavam todos, pensou? Os quartos daquela ala pareciam desertos, ou seus ocupantes dormiam?
Lúcio Mauro percebeu um zumbido intenso que vinha de um dos quartos, o do final do corredor. Foi vencendo mecanicamente a distância que separava o posto de enfermagem da porta do quarto. Naquele ponto o zumbido estava tão forte que ele não ouvia mais nada.
A porta estava entreaberta e Isabella, a outra médica plantonista estava paralisada. Chamou-a pelo nome várias vezes, até ela dar um passo para frente. Ele a acompanhou, entrando. Foi quando viu a coisa mais inacreditável de toda sua vida.
Cidi Nills, encolhida na cama, ainda de camisola, segurava o filho o mais perto que podia de seu corpo e parecia gritar desesperada, enquanto Fernando tentava defendê-la de alguém, com quem parecia lutar e medir forças. Haviam quatro homens ou criaturas, vestidos com uma roupa brilhosa cinza-esverdeada no quarto. Eram muito magros e altos, tinham a pele roseada e cabelos amarelos muito curtos, boca pequena e intensos olhos azuis, muito grandes. Como os de Cidi Nills.
A parede onde ficava a janela do quarto estava estranha, parecia esfumaçada. Lembrou-se de uma vez, quando menino, sua avó lhe falar da superfície de um pequeno lago que existia em frente da casa dela, e que nas manhãs muito frias da região, ficava coberto por uma bruma azulada. A parede do quarto estava daquele jeito, como se fosse liquido esfumaçado. Um quinto homem, vestido como os outros começou a atravessar por ela, vindo de fora.
Lúcio Mauro tremeu. Sabia do que se tratava. Abdução alienígena.
Um dos seres, o que estava mais perto, colocou a mão no pescoço de Isabella e a puxou, jogando-a de joelhos no chão. Lúcio, em uma atitude que jamais pensou ter, segurou o pulso da criatura, olhou em seus profundos olhos e disse:
– Não.
No canto da sala outra cena inusitada acontecia. Bernardo estava em luta corpo a corpo com duas das criaturas. Lúcio Mauro viu quando uma delas enfiou algo que parecia um metal liquido branco e brilhoso no peito do seu colega, enquanto ele tentava pegar algo na cintura. Viu quando os olhos de Bernardo simplesmente sumiram, secando como todo seu corpo até se transformar em um saco de ossos sem vida. A arma que estava em sua cintura caiu no chão.
Isabella gritava, assim como Cidi, horrorizada com a cena.
Nando tentava se abaixar para pegar a arma, mas o alienígena parecia estar em vantagem.
Lúcio havia conseguido fazer o alienígena soltar Isabella, mas outra criatura a havia segurado pelos cabelos e tentava arrastá-la até a parede transmutada. Viu uma terceira criatura apanhar outro metal líquido branco brilhoso e erguê-lo em sua direção. Neste momento percebeu uma sombra entrar no quarto por trás dele.
O loiro alto, aquele que talvez se chamasse Hallmmam, estava no quarto e tinha duas estranhas armas na mão.
A criatura mais perto de Lúcio Mauro puxou o metal líquido branco brilhoso e ia enfiá-lo nas costas de Hallmmam. Lúcio conseguiu usar toda a força que possuía e levantou o braço da criatura. Hallmmam virou. O disparo de sua arma explodiu a cabeça do alienígena, que soltou os cabelos de Isabella. Ao ver a cena, ela desmaiou.
Outro alienígena ainda tentou jogar algo na direção de Hallmmam, mas Nando jogou uma bandeja na direção da criatura, impedindo que acertasse o loiro.
Lúcio Mauro ouviu passos apressados no corredor, ao mesmo tempo em que uma bolha alaranjada saia da parede e envolvia as criaturas, inclusive a que havia morrido, puxando-os parede adentro, atravessando o concreto líquido. Segundos depois a parede havia voltado ao seu estado normal.
Quando Lúcio Mauro percebeu, haviam mais de dez homens armados no quarto. Ele atendeu Isabella, que ainda estava em choque. Em seguida foi ver como estava a sra. Nills e o bebê. Dois dos homens que haviam entrado, apesar das armas, ajudaram-no a atender a sra. Nills. Percebeu claramente que eram médicos também.
***
E então, senhor misterioso – disse Lúcio ao homem que visitou sua casa com o delegado Castro e Hallmmam – o que foi aquilo? O que queriam: a mulher, a criança?
Os dois tomavam café quente no hall de entrada vazio do hospital, afinal eram duas da manhã de domingo.
– Tem certeza que quer saber? – O homem olhou para Lúcio Mauro que meneou a cabeça positivamente.
– Bem doutor, o senhor fez por merecer saber a verdade. As duas mulheres e a criança só não foram levadas, por que Bernardo ligou um equipamento que mudava a frequência do som emitido por uma nave alienígena que pairava camuflada em cima do hospital. Esse, digamos “som”, tinha entre uma de suas funções, fazer com que todos dormissem, menos os que estavam sob o alcance do equipamento, um dispersor, que salvou a vida de todos, menos a dele, claro.
– Estes seres procuram pela espécie do Dr. Szambra em nosso mundo há tempos. Eles vieram para cá, pelo menos há um milênio, fugidos de um planeta onde duas espécies irmãs se tornaram inimigas e uma delas foi quase dizimada em um monstruoso holocausto.
– A primeira vez que descobrimos os “buscadores”, é como são conhecidos, foi na Alemanha em 1936. Às vezes nos deparamos com eles, mas são raros os encontros onde há luta.
– Pobre Bernardo – disse Lúcio – temos que avisar a família dele.
– Pode deixar doutor, dos meus homens eu cuido. Creio que a desinfecção do quarto já terminou. Hallmmam pediu para agradecer sua ajuda e a do Sr. Nills.
Lúcio Mauro estava cansado devido ao estresse do encontro com os alienígenas. – Quanto ao Fernando e a família dele? Precisamos ajudá-los.
– Eles vão ficar bem. Fernando é humano. Ele só precisa vencer a surpresa de descobrir ser casado com uma descendente de alienígenas.
– Quanto ao Dr. Szambra e Cidi eles são tão terrestres quanto nós, nasceram aqui. Seu povo está há gerações na Terra, seus genes são híbridos agora. Mas eles precisam viver escondidos, camuflados. Desse modo estão mais seguros que eu e você doutor.
– Quanto a ajudar – continuou – a melhor ajuda que posso oferecer é enviar ao embaixador dos “buscadores” na Terra uma reclamação oficiando o que aconteceu aqui, informando que um de meus oficiais foi morto e exigindo explicações.
Lúcio Mauro colocou mais café em sua xícara, deu um sorriso e perguntou ao homem.
– Porque não contam para a população o que está acontecendo?
O Homem misterioso apenas sorriu.
– E se eu contar à imprensa ou a alguém o que aconteceu aqui?
– E quem vai acreditar doutor?… quem vai acreditar?
Lúcio Mauro ainda ouviu sua risada enquanto passava pela porta de vidro e desaparecia na escuridão.
***
– Estranho ele não perguntar o por quê não foi atingido pela arma alienígena – comentou Castro com o seu chefe que acabava de entrar na viatura.
O homem misterioso levantou o visor de vigilância noturna e observou por uma última vez o médico.
– Esqueça isso, dr. Castro. Fizemos nosso trabalho aqui, não é mais de nossa conta.
***
Lúcio Mauro viu a van negra saindo do estacionamento.
Uma frase de sua última conversa sobre Cidi e o pai continuava em sua cabeça:
– são tão terrestres como nós.
Fim
Um conto de Swylmar S. Ferreira
Imagem meramente ilustrativa salva da internet em pinterest 27593d815273075b75f635806f632b48.