Fantasticontos, escritos e literários

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Histórias sobre o medo – Valter


 

Valter fumava um cigarro atrás do outro, impaciente, nervoso, esperando que o movimento de pessoas diminuísse com lento passar do tempo. Ele e Dinho estavam de olho na farmácia há dias, bem movimentada, devia ter uma grana boa, então receberam uma “encomenda” de remédios e decidiram apressar o serviço.

– Já passa das oito. daqui a pouco os caras fecham a porta e a gente fica de mão abanando, disse ele para o amigo Dinho, sentado no volante do Astra roubado no dia anterior.

– Mais um pouquinho… Fuma mais um cancerzinho aí, fuma – falou Dinho sorrindo.

– Nossa olha só a loirinha que entrou na farmácia.

Valter já tinha visto a moça, pequena, cabelos curtos, a calça leg colada mostrando o traseiro farto e belo. Ele era chegado.

– Vou nessa –  falou e saiu do carro.

Ainda escutou Dinho dizendo “não” umas três vezes e depois um “puta que pariu”, olhou para trás e viu o amigo vindo atrás dele.

– Mané – gritou alto para o amigo, entre risos.

Entraram na farmácia, Dinho pegou uma cesta e colocou um xampu. Era o primeiro passo, ver se tinha algum segurança ou mesmo um “meganha” lá dentro. Ninguém. Tinha além da moça do caixa e dois atendentes, mais quatro clientes. Olhou para Dinho que fez sinal positivo com a cabeça e eles puxaram as pistolas e anunciaram o assalto.

Mal anunciaram e entrou um careca esquisito pela porta. Alto muito magro, um nariz desproporcionalmente grande e olhos minúsculos, parecia preocupado com alguma coisa. Passou por Valter tão distraído que não percebeu a arma na mão, nem os clientes com as mãos levantadas.

– Se tá maluco ô careca – disse Dinho – num tá me vendo com o berro na mão não é?

O homem ficou estático, sem reação, olhando como se não acreditasse no que estava acontecendo. Imediatamente levantou as mãos e foi se juntar aos outros depois de levar um empurrão de Dinho.

Valter já tinha se aproximado dos clientes e estava bem perto da loirinha. Ele era esperto, não queria alertar ninguém de suas intenções e perguntou o nome de todos os clientes, até chegar a vez dela

– Marisa – disse ela com medo nos olhos.

Ele sorriu. Dinho estava vindo com a garota do caixa e o atendente mais a frente e colocou todos juntos. Tirou um papel do bolso onde estava a lista de cinco medicamentos que formavam a “encomenda” da noite, olhou na cara da garota do caixa e entregou-lhe a lista. Não tinham tempo, ele queria resolver o serviço em três ou quatro minutos no máximo.

– Bota tudo num saco pra mim e rápido senão…

Valter adorava o amigo. Sua cara de mal, seu jeitão nos assaltos e pior, sua completa falta de noção, faziam dele um bandido perigoso.

A garota do caixa correu para atender o “pedido”.

Valter estava olhando para a Marisa quando percebeu os olhos do careca pregados nele. O cara tinha sacado sua real intenção, assim como os outros reféns, ele a olhava de cima para baixo, os pés pequenos, as penas bem torneadas, os seios empinados, boca, tudo. Tinha decidido que levaria a garota e depois ia dar uma transada com ela.

-Tá olhando o quê o otário – disse olhando para o careca – se me olhar de novo dou-lhe um tiro nos cornos.

Dinho estava impaciente e gritou para que a garota do caixa se apressasse.

– Já peguei o dinheiro, vamos logo – disse – cadê a encomenda?

Valter não tirava os olhos de Marisa e já a tinha segurado pelo braço e a arrastava pelo corredor quando o Careca interveio segurando seu braço.

– Deixa a moça aqui, cara e segue a vida. Não vai machucar a menina não.

A atitude do careca deixou Valter estupefato.

– Se encostar a mão em mim de novo eu dou um tiro na sua cara – disse olhando para o careca – chegou a engatilhar a arma quando Dinho surgiu na sua frente.

– Que porra é essa? Vai levar ninguém não. Pode esquecer, sequestro é sequestro. Deixa a mina aí.

Deixa é o caralho meu irmão, vou levar o pitelzinho e acabou.

Eles se olharam por alguns segundos e Dinho pensou, que se foda. Se quer levar e comer a “mina” que se dane, eu quero é sair daqui, agora! Nisso um frio passou-lhe pela espinha, uma sensação diferente e ele falou alto para Valter.

– Cadê a “mina” com a “encomenda”?

Era tarde demais. A garota do caixa aproveitou a oportunidade e se mandou, saiu correndo da farmácia e provavelmente estaria alertando a policia. Tinham que sair dali agora.

Ia dar o primeiro passo quando o careca olhou em seus olhos e pediu que ele não deixasse o Valter machucar a menina. Foi como uma ducha fria. Olhou a garota, mas só conseguia ver sua irmã. Virou o rosto na direção do careca e viu Valter levantando a pistola para atirar no homem. Já tinha visto aquele olhar antes. Ele ia matar o cara.

Segurou o braço do amigo e disse para ele:

– Cê tá maluco? Larga a “mina” e vamos embora que a coisa vai feder.

Começou a correr em direção à porta, nem reparou que Valter trazia Marisa pelo braço, quando percebeu a presença de uma viatura e dois PMs com as portas do carro abertas.

Sabia que era com ele já que o fdp do Valter estava arrastando a garota e não tinha visto nada. Apontou na direção deles e mandou ver, quatro, cinco tiros. Eles se abaixaram se protegendo atrás das portas do carro, mas outro policial já estava fora do veículo. Dinho só percebeu quando era tarde demais.

Pelo canto dos olhos ele viu a figura e virou o mais rápido que podia, mas o PM apontava uma arma em sua direção, ele ainda escutou o estampido e sentiu seu corpo ser jogado para o lado direito, largou a pistola ainda no ar e desmaiou.

Valter viu toda a cena, ainda atirou duas vezes na direção dos PMs, mas errou e voltou para a farmácia arrastando Marisa que tentava se encolher e deitar no chão.

– Eu mato ela – disse aos berros –  mato todo mundo aqui dentro se vocês entrarem. Gritou ofegante, abrindo a porta de uma pequena sala de curativos e empurrando todo mundo para dentro.

Oito pessoas em uma salinha de dois por dois metros. Dali, pela porta entreaberta, ele olhava um espelho na parte alta da parede e conseguia ver os PMs que, agora eram uns dez.

– Chegaram na maciota os fdp que eu nem escutei – disse meio que sorrindo e verificando a arma.

Tirou outro pente do bolso, verificou e guardou de novo.

Tem bala aqui pra todo mundo –  disse olhando os reféns que se encolheram mais ainda.

Os clientes e funcionários estavam encolhidos num canto e ele no outro. Mandou empurrarem um armário na direção da porta e jogou uma cadeira por cima. Bloqueada, pensou.

– Olhou para Marisa e disse baixinho para ela escutar: Vou comer você. E riu, riu alto até quase chegar às lágrimas. Ele realmente achava aquela situação engraçada.

– Se vocês tentarem entrar eu mato todo mundo, gritou, quando viu dois PMs se aproximarem da porta.

– Faz isso não cara, disse uma voz que ele não conseguiu identificar. Levamos teu amigo pro hospital. Ele vai ficar bem. Já tá acordado, liberta o pessoal.

– Liberta é o cacete –  respondeu aos gritos e logo ficou quieto. Respirava pesadamente e suava muito.

Levantou e apagou a luz da pequena sala, mas ainda vinha claridade da porta parte madeira e parte de vidro fumê. Tô fudido pensou. Que merda que deu errado? Lembrou da cara do Dinho tomando um tiro e riu.

Lembrou do primeiro assalto que fizeram juntos. Entraram em uma casa e prenderam todo mundo. Amarram os moradores com suas próprias roupas e limparam tudo: dinheiro, jóias, tudo o que podiam levar. O bundão do Dinho saiu no primeiro carro cheio de mercadorias e então ele voltou para a sala onde os moradores estavam amarrados. Era o rei naquele momento. Levantou a “coroa” e a jogou no sofá. Tava de olho nela desde que entraram, arrancou as calças da mulher e a estuprou na frente do marido e das filhas. Aí se mandou.

Ele sorria com a lembrança, estava excitado.

– Você podia ter ido embora disse o careca olhando para ele.

Ele nem respondeu, sabia que era verdade e tinha agora uma sensação estranha de que alguém o observava. Mandou todos virarem para a parede, com exceção de Marisa. Queria olhar aquela boquinha bonita.

Tinha se passado uma hora mais ou menos quando tentaram contato de novo.

Tudo correu nos conformes, libertou dois reféns em troca de duas pizzas com refrigerantes, depois mais três, pois eram idosos. Tinha que se livrar deles senão o seu plano não ia funcionar. Criar confusão e tentar fugir, visto que a imprensa estava do lado de fora. Eles seriam o seu salvo conduto, a garantia que sairia numa boa daquela situação, afinal, para que servem os direitos humanos?

Passavam poucos minutos da meia-noite. Estavam na pequena sala ele, Marisa e o careca. Tinha feito de propósito, não gostou do desgraçado desde o princípio, mas não ia falar nada não. Ia agir. Quando o policial começou a falar, Valter apontou a arma para o careca e disparou duas vezes. O homem ficou olhando com cara de bobo e colocou a mão sobre o peito, de onde borbulhava sangue, e caiu para o lado com a boca escancarada como se fosse falar alguma coisa e os pequenos olhos ficaram abertos.

Valter ficou olhando os olhos abertos do homem até ver que não havia mais vida neles. O policial começou a falar alto, a chamá-lo, queria saber o que tinha acontecido? Se tinha alguém ferido? Valter nem deu atenção.

Marisa nos cinco primeiros segundos não teve reação, então começou a gritar, gritar alto e desmaiou. Valter não contava com aquilo, então tudo se apagou, cortaram as luzes. Era o que ele queria, sair de fininho naquele instante. Tirou do bolso uma pequena lanterna, olhou para a menina caída, meio desengonçada, bunda para cima. Se tivesse uns minutos… pensou.

Olhou na direção onde o careca estava no chão, mas algo estranho aconteceu, ele não estava ali. Imediatamente um pensamento lhe ocorreu e ele virou na direção da porta. Era a mesma sensação, a de que estava sendo observado, e era pura verdade, lá estava ele. Só que “diferente”.

O ceifador estava em pé olhando para Valter, com os mesmos olhos pequenos e negros, um nariz adunco desproporcional para o tamanho da cabeça, dentes pontiagudos e finos que pareciam saltar da boca. Suas mãos, naquele momento segurava a mão e a arma de Valter. A criatura virou a cabeça para olhar melhor, e seus olhos se tornaram amarelos, como se fosse um felino.

Valter já tinha se mijado de dor, quando sua mão foi esmagada contra a arma. O ceifador o soltou e em seguida o segurou pelo ombro cravando ali suas garras, rasgando a carne e quebrando os ossos de sua clavícula como se fossem de isopor, enquanto jatos de sangue escoavam entre o que um dia foram dedos.

Valter gritava cada vez mais alto, implorava, pedia, rezava… orava. Naquele instante lembrou-se do Criador e pediu, implorou por perdão.

O ceifador, com os olhos agora vermelhos, o levantou enquanto Valter urrava, soluçava. A criatura mostrou suas garras e enfiou lentamente sua outra mão no ventre do bandido, rasgando-lhe a carne com as unhas negras pela podridão e mais afiadas que uma lâmina, expondo suas vísceras, inundando a pequena sala de sangue. Soltou-o no piso, Valter de joelhos segurava as tripas, enquanto a criatura tirava de seu corpo alguma coisa, uma imagem borrada como uma sombra, que passava pelos olhos de Valter.

O ceifador arrancava sua alma e a devorava, a transportava para o limbo, jogando-a para a eterna perdição.

Fim

Um conto de Swylmar Ferreira.

Imagem meramente ilustrativa retirada de:  nero-tbs.deviantart.com/art/Sorcerer-272709723

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Publicado em 9 de dezembro de 2017 por em Contos, Contos de Terror.

A saga de um andarilho pelas estrelas

DIVULGAÇÃO A pedido do autor Dan Balan. Sinopse do livro. Utopia pós-moderna, “A saga de um andarilho pelas estrelas” conta a história de um homem que abandona a Terra e viaja pelas estrelas, onde conhece civilizações extraordinárias. Mas o universo guarda infinitas surpresas e alguns planetas podem ser muito perigosos. O enredo é repleto de momentos cômicos e desconcertantes que acabam por inspirar reflexões sobre a vida e a existência. O livro é escrito em prosa em dez capítulos. Oito sonetos também acompanham a narrativa. (Editora Multifoco) Disponível no site da Livraria Cultura, Livraria da Travessa, Editora Multifoco. Andarilho da estrela cintilante Por onde vai sozinho em pensamento, Fugindo dessa terra de tormento, Sem paradeiro certo, triste errante? E procurar o que no firmamento, Que aqui não encontrou sonho distante Nenhum outro arrojado viajante? Volta! Nada se perde com o tempo... “Felicidade quis, sim, encontrar Nesse vasto universo, de numerosas, Infinitas estrelas, não hei de errar! Mas ilusão desfez-se em nebulosas, Tão longe descobri tarde demais: Meu amor deste lugar partiu jamais!”

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Bom dia.
Aproveito este espaço para divulgar o livro da escritora Melissa Tobias: A Realidade de Madhu.

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Neste surpreendente romance de ficção científica, Madhu é abduzida por uma nave intergaláctica. A bordo da colossal nave alienígena fará amizade com uma bizarra híbrida, conhecerá um androide que vai abalar seu coração e aprenderá lições que mudará sua vida para sempre.
Madhu é uma Semente Estelar e terá que semear a Terra para gerar uma Nova Realidade que substituirá a ilusória realidade criada por Lúcifer. Porém, a missão não será fácil, já que Marduk, a personificação de Lúcifer na Via Láctea, com a ajuda de seus fiéis sentinelas reptilianos, farão de tudo para não deixar a Nova Realidade florescer.
Madhu terá que tomar uma difícil decisão. E aprenderá a usar seu poder sombrio em benefício da Luz.

Novo Desafio EntreContos

Oi pessoal, o site EntreContos - Literatura Fantástica - promove novos desafios, com tema variados sendo uma excelente oportunidade de leitura. Boa sorte e boa leitura.

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