Blog para contos de ficção científica, literatura fantástica e terror
A noite nublada faz com que me sinta melhor. As nuvens baixas, escuras, parecem dar boas vindas à vida. A lua nova se esconde por detrás delas como um filhote medroso atrás de sua mãe. Sinto o cheiro noturno da cidade, doce, suave, passando por meus cabelos ao vento, me trazendo alento, alegria.
Faz muito tempo que eu não venho aqui, as coisas mudaram muito, as luzes da cidade me trouxeram aqui. Diferente da última vez, a cidade agora reflete tecnologia, seus prédios estão cada vez mais altos, imponentes, mas ainda há casas pequenas. Passo devagar, observando as janelas, algumas fechadas, outras semi-abertas, isto não é nem nunca foi um problema para mim. Uma delas me chama a atenção, vejo crianças pequenas, cinco, seis anos, dormindo. Recuo e fecho as janelas, não quero que nada aconteça com as crianças. A altura é muito grande.
Sigo em frente. Na edificação ao lado vejo uma janela aberta com um jovem casal dormindo abraçados. Afasto-me rapidamente, triste, me faz lembrar meus pais, sempre que penso neles me entristeço. Continuo indo em frente, cada vez mais no interior da cidade, com ruídos altos, ar poluído, vegetação escassa, moradas mais altas. Resolvo ficar em cima no terraço de um edifício.
De cima observo um grupo de jovens se divertindo no salão de festas, parece um aniversário. Desço e me junto a eles. Todos têm a sensação que me conhecem, faz parte de mim, meu dom, minha mágica.
Como, bebo, danço, me divirto, afinal sou apenas um jovem como dezenas de outros. Rapidamente alguns se aproximam, se enturmam. São duas moças, Lúcia e Carla, e um rapaz, Beto. Uma delas, Lúcia, com um piercing nos lábios, me abraça, me apresenta a mais alguns amigos. Resolvo ficar.
A música alta não me incomoda, as luzes causando um efeito estroboscópico no globo pendurado no teto causa uma sensação de euforia, de alegria. Será o álcool? Creio que não, nunca teve efeito em mim. O som de muita gente falando ao mesmo tempo, o barulho da música. Loucura, maravilha.
É alta madrugada, convido meus três novos amigos para irmos à outro lugar, conhecer a minha casa, e eles topam. Saímos e vamos em direção ao prédio vizinho onde eu estava. Subimos até o terraço, as portas sempre se abrem para mim, basta eu me aproximar. Conversamos mais um pouco e então as nuvens cinzentas começam a descer, formam-se pequenos raios que atravessam a nuvem cinzenta em diversos pontos. Eu a chamo.
Ela então começa a surgir magnífica como sempre, ovalada em sua parte interior, emitindo uma luz azulada contra o céu carregado de nuvens daquela noite. É a minha carona, digo aos meus novos amigos e minha alegria os contagia. Ela vai descendo aos poucos acompanhada pelas nuvens, então, acima de nós uma abertura se faz. Uma luz surge de dentro da nave, branca, densa e vem em direção ao telhado onde nos encontramos.
Vejo que meus três novos amigos estão surpresos, paralisados, assustados, mas eu os convido novamente a conhecer minha casa, sorrio. Meu sorriso e minha calma os tranqüiliza um pouco e então Beto faz um sinal positivo para as moças e eles concordam.
O terraço do edifício então se ilumina, meus três novos amigos precisam cerrar os olhos devido à intensidade da luz, eu os chamo e vamos em direção a ela. Flutuamos, levitamos do terraço até a porta aberta da nave e penetramos em seu interior frio, mas de alguma forma, prazeroso. A porta se fecha, a música, o cheiro da cidade, sua poluição, barulho, tudo fica para trás. Eles estão quietos, tensos.
Algum tempo se passa, o silêncio serve apenas de combustível para seus temores. Eles agora parecem assustados, Carla chora em um canto enquanto chama pela mãe. Seus olhos cheios de rimel escorrido pelas bochechas dão à garota um ar engraçado. Eu me pergunto: Será que algum dia tive mesmo família?
Beto parece extasiado com a iluminação, observa o ambiente enquanto flutua. Falta de gravidade, eu digo. Ele sorri o tempo todo, mas não está alegre, ao contrário está preocupado, rói as unhas e me observa com cuidado. Ele aparenta ser mais forte que eu, mas parece ser um garoto de paz.
Lúcia está estranhamente calma, sentada em um canto. Será que já passeei com ela antes? Acho que não, afinal a última vez que estive onde os apanhei ela não era nascida. Talvez nem a mãe dela fosse. A viagem é rápida, e logo chegamos em casa.
Eu os convido a sair da nossa carona, o feixe de luz nos desce lentamente. A última vez que eu trouxe visitantes para casa, aqui era um ambiente lindo, mas hoje…
O céu aqui também está cinzento, nuvens avermelhadas causadas pela poluição que as mineradoras, siderúrgicas e demais extratoras dos invasores, que as implantaram aqui, deixaram. O mar que outrora era belo e cheio de vida hoje também demonstra tristeza e morte. Vêem-se muitas plataformas, extratoras espalhadas por todo o lugar.
Descemos pelo feixe de luz até tocar o solo da cidade abandonada. Beto é o mais curioso, está muito excitado. No momento estamos em um ponto alto de minha cidade, num lugar onde os invasores construíram templos aos seus deuses. É uma velha praça de onde saem diversos lances de escadas, que começo a descer. Carla quer saber qual é o nome da cidade, em que lugar está.
– Nunca, respondo sorrindo para ela. Olhem para o céu.
Os três ficam parados olhando o céu noturno, e para o que mais chama a atenção, as três luas no firmamento.
Continuamos a descer as escadarias até chegar a um patamar. Ao fundo vê-se uma construção. Carla anda em sua direção e nós a acompanhamos, ela quase corre. O local é um templo enorme construído pelos exploradores. As portas são gigantescas, tem cinco vezes a minha altura. Entramos. As luzes das luas iluminam parcamente o local, Carla tropeça e cai de joelhos, eu a levanto, não quero que se machuque. Com um gesto ilumino todo templo. Ilumino toda a cidade.
Sinto a presença de meus irmãos saindo para as ruas. Sabem agora que voltei. Beto e Lúcia querem saber detalhes dos objetos, das imagens, seu significado, mas eu silencio. Não posso responder o que não sei.
– É aqui que eles agradeciam aos seus deuses, é só o que respondo.
Saímos do lugar, nos dirigimos à escadaria e continuamos nossa caminhada, agora breve até chegar às ruas, edificações. Pessoas nos observam de longe. Meu povo ficou arredio com os últimos visitantes.
– Que lugar é esse, pergunta Beto. Onde estamos?
Olho em seus olhos e vejo que chegou o momento de lhes mostrar minha casa, meu mundo.
– Eu já respondi a essa pergunta, falo a ele. Vou lhes contar o que aconteceu aqui.
“Até há algum tempo o meu mundo tinha muitas pessoas, de todos os tipos, jeitos, formatos e tamanhos. Alguns alegres, alguns tristes, mas eram livres para ir e vir. Então, chegaram até nós exploradores, visitantes, vindos de lugares que vocês nunca ouviram falar e nem podem imaginar. Trouxeram o progresso, indústrias… tristezas.
Aí foi o meu erro. Deveria ter me mostrado logo que chegaram, deveria ter-lhes dito que aqui era a minha casa e que eu protegeria meus irmãos. Todos que habitam meu mundo são meus irmãos. Mas me calei. Retrai-me.
Os visitantes tomaram conta e muitos dos meus amigos se foram, para nunca mais voltar. Outros continuaram vivendo aqui, na gigantesca cidade que se formou, mas ficaram ressentidos por eu não ter ajudado, não ter impedido que suas terras, suas casas, fossem tomadas, fossem destruídas.
Então um dia eu “acordei” e resolvi que eles iriam embora, procurei os seus líderes e pedi que se fossem. Eles riram, me expulsaram do lugar de onde governavam minha casa.
– Vá para casa garoto tolo – disseram eles. Aqui agora é nosso e ficaremos para sempre.
Saí cabisbaixo, mas decidido. Procurei alguns amigos e eles já não estavam aqui. Compreendi o que tinha de ser feito, e seria de imediato. Continuei procurando alguém especial, que estava comigo há muito tempo nos bons e maus momentos, até que a encontrei. Sininho. Ela e seu povo se escondiam nos subterrâneos da cidade. Ela se aproximou e então fez algo que nunca havia feito antes. Deu-me um beijo. Senti uma onda de energia que há muito, muito tempo não sentia correndo pelo meu corpo. Voltei a ser quem eu era em milésimos de segundos.
Então a terra tremeu. Medo, gritos, enquanto observavam minha nave rasgando o solo e ganhando o céu. Ela é parte de mim assim como eu sou parte dela. Acordamos juntos.
Os invasores estavam paralisados, acreditavam ser o poder maior e então vêm o quanto são pequenos. Ainda tentaram me deter, usaram armas contra mim, contra os meus irmãos, pensaram que poderiam nos intimidar, nos massacrar, nos destruir. Mas a sua pouca tecnologia não era páreo para a minha, simplesmente nada que eles tinham funcionou.
Então permiti que eles se fossem. A vida, qualquer que seja ela, é importante. Comparados à sua civilização, eles seriam deuses, descobrindo planetas, conhecendo civilizações, mas comparados à minha são apenas crianças travessas, fazendo arte em meu quintal”. Respondo a Beto.
– Aqui é minha casa, falo para Lúcia.
O dia começa a clarear e mais pessoas vêm conhecer os recém chegados. Uma linda moça se aproxima, é a minha irmã Sininho, seus grandes olhos azuis que em épocas recentes espelhavam tristeza, mudaram. A alegria em seu sorriso é constante. Aproxima-se de nós, me abraça. Ela sempre ficou bem de vestido verde curto. Caminha em direção aos meus novos amigos.
Beto lhe dá as mãos e dançam felizes pelo ar. Vejo que gostou dela, fico feliz.
– Qual o nome de sua casa? Pergunta-me com curiosidade Lúcia.
– Nunca. Respondo outra vez.
Minha nave agora paira ao largo da cidade, por sobre o mar, brilhante, gigantesca, viva. Emite uma luz tênue, limpando os céus, formando, trazendo de volta a vida ao mar e a terra. Trazendo a alegria aos meus irmãos. Sorrio. Pego nas mãos de Carla e Lúcia, flutuo.
– Porque nos trouxe para cá, para esse lugar? Falou Carla.
-Vocês estavam perdidos, e eu os encontrei. Precisava de vocês, assim como sei que precisam de mim.
Observo Lúcia e Carla flutuarem sós, ainda desengonçadas, desequilibradas. Meus irmãos aos poucos voltam aos seus afazeres. Sinto que estão felizes, sinto que se sentem seguros. Mostro a elas a cidade vista de cima, o mar.
Descemos até a praia. Elas tiram suas botas e caminham descalças pela areia até onde Beto e Sininho estavam sentados observando o mar.
– Diz seu nome para mim, pediu Lúcia.
Minha irmã me olha e balança suavemente a cabeça dizendo sim. Respiro fundo, olho ao meu redor e respondo.
– Sou… Peter Pan.
Swylmar dos Santos Ferreira
Swylmar, achei os contos super interessantes, principalmente este em que você deixa o suspense da identidade e personalidade do garoto misterioso. A maneira em que se colocam as pistas prenderam minha atenção, acho muito legal quando as dicas passam despercebidas pelo leito (Como a resposta do Peter Pan sobre o nome de sua terra) e no final vemos o quanto somos desatentos… rsrsrs Tenho 14 anos e gosto muito de ler, embora não tenha problemas em formular textos não sei porque não consigo escrever e concluir minhas redações, estou estudando contos fantásticos e tenho que produzir um conto sobre árvores que ganham vida, já tive ideias de todos os tipos mais não consigo fazer minhas conclusões com uma critica, queria saber se o senhor tem alguma ideia para o meu conto. Atenciosamente Tayná Peres