Blog para contos de ficção científica, literatura fantástica e terror
O helicóptero passa rasgando o céu com um barulho ensurdecedor, de minha posição no telhado do prédio vizinho noto na porta lateral aberta da aeronave, um dos policiais pretende atirar contra o homem no teto do edifício. Ele abaixa e se arrasta pelos espaços do terraço cheios de reentrâncias dos shafts, diversos tipos de antenas, chillers e casas de máquinas de elevadores.
Ressurge próximo aos seis reféns mantidos amarrados perto de um chiller de refrigeração.
Levanto do canto onde estou escondido no telhado, pego a câmera e o mais silencioso possível começo a filmar. Ligo do telefone celular para a redação móvel e começo a narrativa.
– Creio que estamos perto do fim desta loucura senhoras e senhores telespectadores, os policiais disparam contra o atirador enlouquecido…
Tiros e o barulho ensurdecedor fazem eu perder a concentração derrubando o telefone que se desmonta.
Agora são dois helicópteros, o primeiro move-se rapidamente ao redor da edificação, o policial atirando contra o homem, arriscando atingir os reféns. A segunda aeronave está servindo apenas para desviar a atenção do atirador em passagens rasantes.
Algo acontece, ele levanta e portando um grande fuzil militar, calibre 50, abre fogo contra a aeronave, vejo os disparos de ambos os lados até que alguns disparos do atirador atingem o motor da aeronave que parece soltar pequenos pedaços, outros tiros atingem a cabine perto do piloto que visivelmente se encolhe, outros atingem diversas partes da aeronave, que explode o motor, se incendeia e começa a descer sem controle até explodir na praça embaixo. Ouço uma música, um rap tocar em um volume alucinante no alto do prédio, o homem pula, dança e vai até a borda do edifício de onde atira para baixo aleatoriamente fazendo com que os médicos e socorristas que atendiam os sobreviventes do recente massacre se joguem ao solo ou corram tentando se proteger.
– Deus, o que esse cara tomou? Pergunto pelo telefone celular que acabo de remontar ao grupo da rede de televisão. O silêncio é minha resposta.
– Onde esse maluco arrumou uma arma daquelas? É a pergunta que ouço no telefone.
Reconheço a voz do editor, Marcos Sealda. Ele deve estar desesperado um dos reféns é a mulher dele, Cecília, repórter da rede de TV onde trabalho.
– Creio que consegui filmar toda a ação, falo no celular.
Esta foi apenas uma das escaramuças ocorridas nas últimas horas, olho para os dois policiais mortos no canto do prédio onde estou, um pouco mais alto do que o lugar de onde os observo. Um míssil havia atingido em cheio o local onde estavam enquanto tentavam atirar no homem. Me salvei porque desci um andar para ir ao banheiro e quando estava voltando os mísseis atingiram o prédio em dois lugares impedindo que equipes de resgate chegassem onde estávamos.
Sorte é para quem tem. Escapei apenas com alguns cortes e queimaduras, além de um ouvido que não para de zumbir, os dois policiais não tiveram essa sorte.
– O pequeno drama está chegando ao seu final – falo com os editores da emissora que me colocou no ar em tempo real.
– Mais três helicópteros da polícia estão sobrevoando a área e aqui mesmo escuto um grupo de homens tentando alcançar a escadaria que traz ao terraço onde estou, mas parte dela foi destruída. Volto ao vivo com mais informações dentro de minutos.
Tomo um susto quando olho novamente pela câmera, o homem está me olhando pela mira da arma, engulo em seco, meu coração bate disparado, é o medo. Mostro a câmera, retiro do suporte para que ele possa ver melhor e aponto também para o colete de proteção que uso, escrito imprensa. Volto a observá-lo, ele afasta a arma e a coloca nas costas, em seguida acena em minha direção. Estou salvo, ao menos por enquanto.
Retomo a câmera, aumento o zoom no máximo e começo um passeio pelo terraço, vejo que foi bastante atingido pelos tiros, fico procurando o homem enlouquecido e não o encontro, deve ter se escondido em algum lugar.
O telefone toca, é o editor, quer saber se vejo Cecília, nossa colega e mulher dele, quer saber se ela está bem. Ela foi separada do grupo e amarrada a uma grande antena de rádio, está descalça e de cócoras, a saia parece ter rasgado um pouco e a maquiagem escorrida devido ao choro mancha o rosto bonito da moça. Eu a conheço bem, entramos praticamente juntos na emissora, cinco anos atrás.
Foi isso mesmo? Estou tonto não lembro com clareza.
Cecília é obvio teve uma ascensão meteórica na emissora, eu estou nas filmagens externas. Não sei realmente o que ela veio fazer aqui, acho que foi o marido, só pode ter sido.
– Louco! Esse mundo está repleto de loucos.
Olho onde os outros reféns estão e vejo que um dos tiros do helicóptero atingiu o câmera man, ele está pendurado em uma estrutura de metal junto com os outros reféns, tem a cabeça voltada para traz e uma poça de sangue a seus pés. Creio que está morto. Ligo a câmera e inicio uma filmagem rápida, 30 segundos no máximo, não quero que os familiares dos reféns os vejam daquela maneira.
– Ela parece bem Sealda, daqui dá pra ver que está apavorada. O câmera man que estava com ela morreu! Os outros reféns estão vivos.
Silêncio do outro lado da linha. Em geral escuto a conversa alta do pessoal que atua na estação móvel.
– Obrigado Mendes! Como fui estúpido em mandar ela nesta reportagem.
Não falo nada, não me cabe falar, vejo que ele desligou o telefone do outro lado. Penso em Cecília. Tolo!
– Que merda foi essa? Pergunto em voz alta a ninguém.
Sento de costas para a parede interna do terraço, fico olhando a câmera desligada. Deito e olho o céu cinzento, o dia tinha começado tão bem hoje…
Acordei sem precisar do despertador, coloquei a comida para os peixinhos no aquário, fui ao banheiro, tomei banho, me arrumei e zarpei para o trabalho.
Não tinha chegado quando o celular tocou, era Sealda mandando cobrir o ataque de um atirador no centro da cidade, na praça municipal. Era um furo de reportagem interessante, a praça era cercada de edifícios por todos os lados, prédios baixos exceto os quatro grandes prédios localizados nas esquinas principais.
Saí do carro, peguei meu equipamento e fui para a praça a tempo de ver a segunda cena daquela loucura, dois policiais estavam saindo de uma viatura na praça e viram o homem todo vestido de verde com uma arma na cintura, possivelmente o mesmo que causou pânico atirando a esmo.
Gritaram alguma coisa para ele, o homem se virou e andou na direção dos policiais, sacaram suas armas ao mesmo tempo e começou a violência. O tiroteio parecia saído de um filme sobre o velho oeste americano, apenas o homem de verde ficou em pé. Gritos, correria, pânico instalado e pessoas feridas ou mortas. Cecília chegou naquele instante com uma rede móvel e em um segundo estava no ar relatando a situação.
Ia até onde estavam quando o homem se aproximou deles e os fez reféns apontando-lhes uma pistola. Fez com que atravessassem a rua e os obrigou a entrar em um dos edifícios de esquina.
Corri, peguei a câmera e fui rápido na direção contrária, entrei no prédio na outra esquina da praça e me dirigi ao terraço na esperança de ver alguma coisa. Vi no prédio da frente a porta de segurança se abrir e ele obrigar mais seis pessoas a entrarem no prédio. Eu os vi depois no terraço do prédio pela lente da câmera. Logo em seguida o homem amarrou a todos na estrutura de metal próxima a casa de máquinas, a situação estava tomando contornos de terror.
Volto de meu devaneio e falo com o redator.
– Estranho! Não lembro do atirador estar carregando um rifle. De onde ele o tirou?
– Ele já devia estar com a arma preparada no terraço. Disse Sealda. Deve ter planejado tudo com antecedência.
Desligo o telefone e fico pensando no que Sealda falou. Tinha certa lógica, mas e o lançador manual de mísseis? Aonde esse cara arrumou a arma? E o principal onde ela estava?
Pego a câmera e observo o outro edifício, procuro armas ou qualquer coisa diferente. Nada!
Os quatro reféns continuam amarrados, ele retirou um deles e o colocou na porta que dá entrada ao terraço. Transformou-a em uma armadilha com explosivos. Tenho que avisar aos policiais, peço para Sealda fazer isso.
O atirador aparece perto de Cecília, fico com medo dele querer machucá-la. Ele fica acocorado perto dela, examina seu rosto e se levanta, parece olhar em minha direção. É uma oportunidade de vê-lo de perto, está apontando para um grande relógio em seu braço direito. Confesso não entender, poderia estar em contato com outra pessoa no prédio atrás de onde estou? Viro a câmera e procuro minuciosamente, apenas para não encontrar nada, os edifícios das redondezas foram evacuados após o disparo do míssil.
Volto a observá-lo, faz gestos contidos e parece falar algo, tentou algumas vezes, não sei do que se trata, ele olha ao redor, aponta para Cecília e para mim, meu coração dispara. Tenho certeza que quer falar algo. Pega o rifle, retira a luneta e me olha, automaticamente faço o gesto de não entender, me sinto cúmplice das mortes. Volta a apontar para algo em sua cintura, o cinto e aponta para mim. Os cintos são iguais, o dele e o meu. Como poderia ele saber? Fixo a lente poderosa da câmera na fivela e em um grupo de enfeites metálicos, são iguais. Aponta para o relógio, vejo que também é igual ao meu. Ele sorri.
Por vezes a mente prega peças, agora pareço querer lembrar algo que é importante, a recordação não vem. Lembro de Cecília, de seu sorriso, seus olhos, sempre fui apaixonado por ela, desde sempre creio.
Súbito o barulho de tiros sendo disparados traz de volta a realidade, olho a câmera e vejo o atirador ser alvejado três, quatro vezes, terminou pensei. Ele nem caiu, apenas deu passos atrás.
O helicóptero para no ar e três policiais iniciam a descida até o terraço. O atirador olha em minha direção outra vez, mostra duas pistolas e inicia a caminhada de poucos metros em direção aos policiais que já se encontram no terraço e livres das cordas. O refletor da aeronave é apontado em minha direção deixando-me cego por vários segundos.
Silêncio!
O atirador sumiu, creio que está em fuga após deixar mais três policiais mortos no topo do edifício. Foi estranho, os tiros dos policiais pareciam não atingir o atirador o que seria impossível, três homens treinados errariam todos os disparos feitos? Aponto a câmera para o helicóptero e um clarão aparece no topo do prédio.
A bomba instalada pela equipe de policiais de operações especiais do lado interno da casa de máquinas matou os outros reféns, apenas Cecília estava viva, desacordada, a salvo protegida por uma pilha de escombros.
Não vejo mais o atirador, mas o sinto se esgueirando pelo buraco aberto tentando alcançar os cabos de aço do elevador, prendendo neles um freio. Um daqueles que os alpinistas prendem nas cordas para descer as encostas de montanhas íngremes, só que mais elaborado, feito exclusivamente para aquilo. Ele parece descer muito rápido, algumas portas nos andares se abrem após sua passagem e simplesmente não o vêm, chegou ao subsolo, nas garagens, abre a porta e cinco policiais estão com seus rifles e metralhadoras apontadas para dentro, apenas chegaram tarde demais. Escuto uma risada dentro do meu cérebro enquanto desço as escadas do edifício onde estou.
Ainda o vejo em meu cérebro. Ele passa pela praça, agora repleta de homens fardados que fazem dezenas de prisioneiros entre a população curiosa, cenas de rebelião e morte. Ele anda entre eles incólume, como se estivesse vestindo um manto de invisibilidade como aqueles de filmes infantis, de fantasia ou mitologia. Ele para em frente a um grupo de militares e não se movimenta.
Estou desnorteado, continuo descendo as escadas de emergência, enquanto dezenas de policiais vêem em direção contrária, me espremo no canto para não atrapalhar, um deles para e me pergunta algo, quer saber se estou bem, balanço a cabeça afirmativamente. Ainda sinto o sangue escorrer do lado da cabeça e uma dor forte quando o policial toca meu rosto, ele pega um spray e manda eu fechar os olhos enquanto aplica o produto de cheiro forte. Continuo a descer até chegar ao térreo onde um socorrista me leva a uma ambulância. Olho pela praça e sinto sua presença, forço o olhar até que o vejo em frente aos caminhões do exercito, ele parece me fazer um sinal.
– Mendes! Mendes! Você está bem? Eles conseguiram salvar Cecília? Ela está viva?
Sealda está aos berros falando comigo, mas estou tonto e acabo vomitando na frente dele, fazendo com que salte para traz.
-Você está bem? Pergunta com cara surpresa.
– Sim.
Sealda vai à busca de informações sobre Cecília. Um pensamento me passa pela cabeça: ele descobriu que a ama. Volto a cabeça para um grupo de policiais que estão perto.
– Vocês prenderam o atirador?
Um dos homens ri alto enquanto outros dois se afastam.
– Ele morreu cara! Matamos o desgraçado na explosão.
– Não. Não mataram não! Ele estava em pé na frente dos caminhões do exército.
– Ele morreu maluco! Idiota!
O homem me pega pela gravata e me chacoalha, sorrio involuntariamente. Neandertal, penso. O policial me solta e sai mascando o chiclete que não tirava da boca.
– Foda-se! Falo em voz alta.
Saio da maca onde estava sentado indo até onde o atirador estava, o vejo andando pela avenida, passando pelas barreiras e cavaletes colocados para impedir o transito, ele está na minha frente, ando mais rápido para alcançá-lo. Tenho que prendê-lo, fazer com que pague por tantas mortes e destruição. Ele olha para traz e vejo um sorriso no canto de sua boca.
– Vou pegá-lo. Falo decidido para eu mesmo.
Ele está a uns cem metros na minha frente, vejo quando passa pelas pessoas que parecem não notar sua presença e vira na avenida a direita. Corro o mais rápido que posso e quando chego não o vejo mais. Continuo andando até uma pequena rua transversal onde um enorme caminhão azulado está estacionado. Sei que ele está ali, tenho certeza. Se ainda estiver armado vai me matar, mas não me importo, vou até a frente e olho na direção da cabine. É ele!
– Vamos! O atirador grita.
– Entre! Temos que ir! O jogo acabou.
Por alguns segundos fico parado, sem saber do que aquele assassino insano está falando. Será que se drogou? Será que esteve esse tempo todo alucinado?
– Vamos Taol. A pancada na cabeça o deixou tonto? O programa não desabilitou completamente? Na próxima vez use o equipamento de proteção como eu.
– Do que você está falando?
– Sou eu Taol, Ikric. Temos que ir. Não posso voltar sem você, eles jamais me perdoariam. Eu jamais me perdoaria.
Abro a porta da cabine do caminhão. – Diga o que está acontecendo ou eu salto e chamo os policiais.
O homem pega o telefone celular e o aponta para mim. Uma luz verde sai do aparelho e parece envolver todo o meu corpo.
– O programa não foi desabilitado completamente, em breve você se lembrará. Não somos daqui Taol, em breve sua memória voltará.
Ainda estou com a porta aberta.
– Quem é Taol? Não acredito nisso. Você é simplesmente maluco.
– Maluco? Eu? O homem chamado Ikric sorria perplexo.
– Maluco é você que quer ficar aqui, acha que não vi como aquele sapiens estúpido te chacoalhou? Pensei que fosse te matar. Porque não o finalizou? Era obrigação sua finalizá-lo.
O homem me olhava zangado, parecia que eu não tinha cumprido um dever, uma obrigação. Voltei a falar com ele.
– Eles acham que você morreu, creio que só eu vi você escapando.
– Você acha que sou apenas eu? Vou te fazer umas perguntas, não precisa responder, apenas pense nelas.
– Como você desceu as escadas Taol? Elas estavam destruídas lembra? Qual era a distância que foi destruída? Seis, oito metros? Como você passou? Pulou apenas ou usou os flutuadores na sua cintura. Como desceu as escadas passando pelos policiais truculentos dos primeiros grupos?
Ainda estava tonto. Lembrei que simplesmente caminhava no ar, como se a energia se transformasse em matéria e depois em energia de novo conforme eu descia os degraus destruídos. Como os homens passavam e não me viam, ou fingiam não me ver. Apenas o último. Por que?
– Porque eu me lembro de ver você descer as escadas? De cruzar a praça e ninguém te notar?
– Porque você é o meu protetor no jogo Taol. Tem acesso a todas as informações. Você materializa minhas armas, mesmo que inconscientemente.
– Quem era o homem na escada? O que me viu? Pareceu que apenas ele me via?
– Ele é o nosso médico no jogo Taol, não se lembra dele? Lial? Ele se foi no outro módulo.
A confusão em minha mente parecia aumentar, de alguma maneira eu sabia quem eu era agora, sou Taol. Sou organizador dos jogos.
– E a mulher sapiens? Ela morreu?
O homem balançou a cabeça negativamente.
– Dormiu com ela não foi? Perguntou me olhando com ar de reprovação. – Claro que dormiu. Passamos tempo demais aqui, fingindo ter uma vida criada pelos jogos.
– Você criou um amparo de concreto para protegê-la. Ela está bem, não foi atingida no jogo.
Ikric continuou me olhando apreensivo, noto que em momento algum foi violento comigo, nem o falso policial. Fecho a porta do caminhão.
– Podemos ir agora Taol?
– Ainda não me lembro de tudo Ikric. Vamos para outro mundo? Isto é uma nave espacial?
Ikric sorria ao manusear um teclado virtual.
– Não. Vamos para outra realidade, um universo paralelo. Vamos continuar nossos jogos aqui ou em outro lugar.
Fiquei observando a avenida na minha frente desaparecer no início lentamente e depois mais e mais rápido. Já lembrava quase tudo, peguei um pequeno frasco avermelhado e abri sua tampa. O perfume era delicioso, me lembrava Cecília.
Estou pronto outra vez, assim que for liberado, quero jogar de novo, ir a outros mundos, ter outras mulheres, viver novas vidas, nem que seja por poucos momentos e organizar outro episódio de meu jogo predileto: Infiltred Madness.
Fim
Um conto de Swylmar Ferreira
em 30 de dezembro de 2020.
Imagem meramente ilustrativa retirada da internet: b9f89b1b052bea1375cdcc92d8eb292c
Ola, estou compartilhando meu trabalho, com alguns causos para lerem e se quiserem, enviar para gente: https://acausos.wordpress.com/
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