Blog para contos de ficção científica, literatura fantástica e terror
O barulho do alarme contra intrusos do laboratório de segurança máxima era ensurdecedor, fora as luzes vermelhas que acendiam e apagavam ininterruptamente causando em Laura uma sensação de desorientação. Todos os funcionários níveis 10 e 11 deveriam ir imediatamente para a sala azul número 5. Riu momentaneamente consigo mesma ao lembrar que um de seus assessores comentou sobre uma placa no corredor do nível inferior 35 que indicava aquela sala e ela não existia. Teve vontade de lhe dizer que ele não conhecer, não significava necessariamente a sala não existir.
Saiu do elevador e foi direto a uma porta onde um segurança armado a esperava. Entraram juntos em um segundo elevador até o último andar inferior. O segurança havia retirado um crachá, onde ela pode ler “Projeto Borda”, colocando-o em um compartimento que ela nunca havia reparado e uma portinhola surgiu do nada liberando um leitor ocular onde ela apoiou a cabeça. Imediatamente o elevador se movimentou de novo, descendo mais cinco andares onde abriu a porta na sala de comando principal do prédio, onde uma jovem vestida de uniforme azul a esperava.
– Boa tarde Dra Cornell, seja bem-vinda.
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Alvus Cisticius acordou tonto, afinal o que tinha acontecido na sala de prospecção? Anco Prisco, o cientista-chefe do projeto, pediu que entrasse na sala de contenção de matéria escura para calibrar manualmente os cristais. O salto dimensional estava preparado para o final da tarde e ele e Patricia Drusa estavam escalados.
A última coisa que lembrava eram os gritos de Patricia, sua colega no complexo de física avançada e então tudo ficou escuro. Parou e observou cuidadosamente a sala onde estava. Ou seria um quarto?
A cabeça latejava, passou as mãos e sentiu que tinha um tipo de bandagem, retirou-a e examinou a cabeça, nada visível, corte, perfuração. Nada! Tentou levantar e sentiu as pernas fraquejarem, sentou de novo na cama até a tontura passar e, por fim, levantou. Viu algo parecido com um banheiro, fez um exame visual agora. Tocou o braço levemente atá sentir um ressalto, estava satisfeito. Deu passos firmes até uma janela gradeada e olhou a bela paisagem exterior. Respirou o ar que passava pela fresta da janela e apesar de a integral dor no corpo, sentiu uma lágrima solitária cair de seus olhos.
– Lindo!
Ouviu um som leve vindo por trás e virou devagar a cabeça, para não sentir mais dor do que já sentia, vendo quatro pessoas em pé perto da porta. Estava em um hospital ou algo assim. Certamente era um hospital.
– Olá – disse a mulher vestida de branco com um jaleco esverdeado – você consegue nos compreender?
Um dos homens, vestido com uma roupa verde camuflada, afastou-se do grupo. Os outros dois, também vestidos de jalecos esverdeados deram um passo a frente.
– Sou o Dr. Pontes, médico aqui no hospital geral. Consegue nos compreender?
Demorou alguns segundos para que o implante neural treinasse seu cérebro para o idioma falado.
– Alvus Cisticius é o nome – olhou novamente para a mulher e os homens, em especial para o que se afastou, sabia que ele era um soldado – sou filho de Anco Márcio Cisticius, Pretor de Mastarna. Agora compreendo perfeitamente.
Era ótimo, pensou Laura Cornell, ele fala nossa língua. O “agora” a deixou satisfeita. Olhou o homem outra vez, se não tivesse visto pessoalmente a filmagem no laboratório de física do Instituto e é claro a comprovação de veracidade da empresa especializada em tecnologia de informação, jamais acreditaria que ele simplesmente surgiu lá.
– Quem é você?
E sem deixar que o homem respondesse, ela continuou.
– Sou Laura Cornell e estes são meus colegas Drs. Roger Lira e Paulo Sticks. Encontramos você em um dos laboratórios. Foi difícil estabilizá-lo, você aparecia e desaparecia ininterruptamente. Da última vez, tivemos sorte e o colocarmos a tempo numa câmara de contenção.
– Onde estou? Como assim da última vez?
– O Dr. Pontes pode examiná-lo?
Laura aparentava ansiedade, assim como os outros dois. Mas a visão que Alvus teve da floresta, momentos atrás o deixou espantado. Voltou-se novamente para a janela enquanto era examinado pelo médico.
– Aquilo lá fora são árvores? É vegetação? – Estava perplexo, sabia que não estava mais em casa. Tinha que colocar a mente em ordem, seu treinamento. Tinha uma missão a cumprir, mesmo que antecipada.
Laura sabia que o homem a sua frente era diferente, não fisicamente, mas de outro modo.
– Que lugar é esse? – perguntou à mulher a frente – Qual o nome?
Apesar de estranhar, Laura começou a entender.
– Terra – respondeu e pediu para que ele se sentasse – e você de onde é?
– Roma, claro – Alvus tocou de leve nas mãos de Pontes que o examinava – é real…
Naquele momento o quarto homem já estava mais que inquieto, andando de um lado para o outro no quarto apertando as mãos.
– O que está acontecendo Laura?
– Apenas estamos nos conhecendo melhor General Caldwell.
Respondeu olhando para trás, olhando nos olhos do homem, esperando que ele compreendesse a importância daquele momento.
– Alvus, preciso que entenda que conseguimos estabilizar você em nossa realidade apenas momentaneamente. Não há garantia nenhuma se conseguiremos mantê-lo aqui ou se retornará para onde veio, poderá ficar uma hora, um dia ou mesmo enquanto viver.
Ele sorriu satisfeito.
– Interessante – disse sorrindo – não vou ficar aqui eternamente então. Mas nesse período, mesmo que breve, poderemos aprender muito uns com os outros, todos concordam?
Alvus Cisticius levantou e foi novamente à janela, precisava olhar a paisagem repleta de árvores, gramas, pássaros e o céu de um azul tão profundo que ele nunca havia visto.
– Me desculpem, mas tudo isso desapareceu ha séculos em Roma. Vocês já colonizaram o sistema romano?
– Sistema romano? – Caldwell perguntou, não entendendo.
Laura levantou uma das mãos e pediu para ser a interlocutora com o estranho visitante.
– Creio que nós o chamamos de sistema solar – disse rindo – e não, ainda estamos no início das viagens espaciais.
Alvus Cisticius estava pasmo: o que será que havia acontecido ali? Era obvio que estava em uma realidade paralela, até mesmo os cidadãos dali sabiam disso, então ele teria que aceitar e adquirir o maior número de informações possíveis. Talvez até mesmo cedesse algumas poucas informações, desde que não sensíveis à República Romana, é claro.
– Nós consolidamos as principais colônias do sistema romano em 982 DC – Alvus Cisticius comentou brevemente, olhando de soslaio seus interlocutores – quando poderei sair deste quarto e conhecer o prédio e este lugar maravilhoso?
Laura e Caldwell pareciam ouvir atentamente cada palavra do homem à sua frente. Laura tinha interesses bem definidos pela sua chefia imediata e sabia que precisava manter o diálogo aberto com o visitante interdimensional, se é que ele era quem dizia ser.
– O império romano caiu definitivamente em 476 DC aqui na Terra.
Alvus Cisticius sorriu.
– Incrível, pois foi nesta data que cravamos a águia na lua. E menos de duas décadas depois voltamos a ser uma República. E vocês?
A pergunta era simples e precisava ser respondida com firmeza: Um reino – Laura assumia de vez o papel para que foi designada – Nós somos um reino.
Alvus Cisticius achou de início que tinha algo errado. Olhou para o rosto dos homens à sua frente, mas não conseguiu visualizar movimento nenhum que indicasse mentira. Resolveu fazer uma segunda pergunta quando foi surpreendido por Laura.
– Vou fazer um breve retrospecto de nossa civilização, pós Roma – disse Laura séria.
– Talvez não seja tão interessante assim. As coisas aconteceram lentamente, principalmente porque entramos em uma fase denominada idade das trevas, mesmo assim nesse período surgiu Maomé, o profeta, o homem que trouxe uma nova religião, também surgiram novos lideres importantes como Carlos Magno, Francisco de Assis e Marco Polo. Este último foi o homem que recriou o elo entre o extremo oriente e o ocidente. O próximo período foi o que chamamos de guerras seculares, aí surgiu um outro personagem importante, Joana D`Arc, a libertadora.
Laura percebeu que o homem a sua frente ou procurava memorizar cada detalhe do que ela falava, ou fazia um grande esforço para comparar com a história da civilização dele ou com o que já conhecia. Sabia que o tempo era curto devido à instabilidade corporal do visitante.
– Neste período também surgiu a Santa Inquisição, o período mais negro da humanidade. Em compensação em seguida veio o Iluminismo, a era dos descobrimentos, das viagens marítimas, das invenções como a prensa e as primeiras máquinas a vapor no que chamamos de revolução industrial no final do século XVIII. As nossas últimas grandes descobertas ocorreram depois da unificação no final do século XIX, aviação, grandes navios, engenharia, medicina e outras áreas de pesquisa de modo geral, internet.
Alvus Cisticius olhava seus interlocutores com um sorriso. Precisava achar o computador central e copiar os dados, assim poderia voltar a Roma.
– Em que ano estamos Dra. Cornell?
Laura ajudava Paulo a escrever alguns dados sobre o visitante em um pad e respondeu casualmente.
– Dois mil e vinte.
Alvus estava mais à vontade agora e começou voluntariamente a cumprir sua parte no trato.
– Semana passada comemoramos o ano de 2652 depois do primeiro Cesár – ele sorria – Roma jamais caiu, nem ninguém atravessou seus muros, nunca!
Olhou seus interlocutores e viu que apenas Laura parecia lhe dar ouvidos – sorriu e continuou.
– O primeiro contato que tivemos com o oriente veio quando lutamos com o Rei de Épiro, Pirro em 280 AC e o consolidamos cerca de 100 anos depois. Quando César chegou ao poder havíamos conquistado quase todo o mundo ocidental e colonizado as Turias no outro lado do oceano. É interessante dizer que também tivemos o nosso Iluminismo e grandes personagens como Caius Virgilius, o maior de todos os poetas de Roma e é claro Marcio Cupius um de nossos maiores inventores. Ele criou a máquina a vapor em 96 DC.
Agora os quatro eram todos ouvidos. Alvus continuou,
– Tivemos grandes guerras para consolidar a república, principalmente no oriente, pois ambos tinham conhecimento da pólvora, mas tivemos uma vantagem, o detonador de oito tiros. Então em 116DC firmou-se o acordo de Gobi e o império Sino e Roma tornaram-se uno. Nossa preocupação então passou a ser a lua que conquistamos em 476 DC e colonizamos cerca de 50 anos depois.
Alvus precisava saber sobre a tecnologia nuclear. Então fez a pergunta a Laura, olhando diretamente para Caldwell.
– Vocês possuem tecnologia nuclear?
O homem permaneceu imóvel prestando atenção ao que ele falava.
– Sim – respondeu Laura – mas é pouco usada, preferimos energia solar e marítima, além de mais barata é energia limpa, não tem resíduos.
Alvus estava a cada momento mais confiante. Neste mundo paralelo chamado Terra os habitantes haviam chegado à lua, mas nem colonizaram o sistema a que tinham direito. Estavam adiantados em física quântica, mas provavelmente desconheciam a física temporal e a física interdimensional.
– E depois? Perguntou Laura.
– Bem – Alvus sentou-se na cama – quando vamos conhecer o lugar?
Caldwell respondeu que seria breve, que ele só aguardava permissão.
– Em 982 DC colonizamos todo o sistema romano e em 1220 partimos para as viagens em espaço profundo. Demoramos muito para conseguir a tecnologia para as viagens em velocidade de dobra. Só então estabelecemos contato com outras civilizações. Vivemos pesquisando as fronteiras desde então, mantendo contatos com outras civilizações.
– Somos um povo simples – disse Alvus com orgulho – somos trabalhadores e batalhadores, nossas crianças são educadas de modo a amar ao Caesar e a serví-lo em prol de Roma.
Jamais falaria sobre as guerras de domínio que a República havia patrocinado nos últimos mil anos, inicialmente na borda da galáxia e depois sobre o interior. Não falaria sobre as poucas derrotas e inúmeras vitórias conseguidas em um milênio de conquistas. Agora tinham muitos povos dominados, uma série de aliados e grandes e ferozes inimigos. Mas assim era Roma, assim era a República de Roma com seu Caesar.
Viu um dos homens servindo água, mas só bebeu depois de Laura. Sabia que o tempo findava, que em breve seu implante o levaria de volta, mesmo não sendo acionado.
– Quando vamos conhecer as instalações e principalmente a floresta?
Sorriu espontaneamente, principalmente para Caldwell.
– Agora – disse Caldwell – já que está tudo bem com você, por que não sair deste quarto apertado. Suas roupas estão ali, no armário.
Sair do quarto fez com que Alvus rejuvenescesse, estava alegre. Visitaram o pequeno hospital, os jardins com as árvores e gramíneas que ele adorou e finalmente foram ao centro de comando do primeiro andar.
Ali estava a oportunidade que ele queria, o objeto de sua missão. Precisava de acesso ao computador central e naquela sala, mesmo guardada por alguns soldados, ele a teria. Olhou de lado e viu que Laura observava sorridente Caldwell mostrar na tela principal os principais objetivos do Instituto e seus programas, dentre eles o de física avançada.
Teria que ser agora. Caminhou entre os boxes apinhados de gente até um dos módulos e apertou a mão contra o equipamento. Sentiu imediatamente a conexão ser feita e começara armazenar anos de dados em um pico-chip orgânico instalado em seu cérebro. Viu o grito de um dos operadores que percebeu uma luz azulada em sua mão e concluiu que as informações estavam sendo tomadas.
Viu ainda o rosto de Caldwell surpreso, assim como o de Laura. A determinação para que atirassem nele, seu escudo bio-orgânico sendo ativado e sua roupa se transformando na bio-armadura impenetrável. Colocou um de seus módulos de armas em tonteio, mas foi difícil atingir alguma coisa, pois os tiros com armas de detonação arcaicas e o caos instalado com pessoas correndo para todos os lados impediam uma perfeita concentração. Tinha tudo o que queria dali, em um período de guerras interdimensionais ali era um prato cheio para Roma. Acionou o primeiro implante no braço esquerdo e o segundo no lado esquerdo da cabeça. Observou a bolha dimensional ser criada, absorvendo a energia de tudo o que encontrava e aquela dimensão desaparecer de sua vista.
Enquanto reaparecia no campo de provas Rômulo XIX, duas perguntas nasceram em sua mente. Se eles não conheciam armas nucleares nem matéria escura, como haviam conseguido estabilizá-lo? Porque em suas datas eles colocavam também DC?
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Laura Cornell acabou de lavar o rosto e viu que suas mãos ainda tremiam um pouco. Saiu do banheiro e entrou no elevador que a levaria ao setor especial do complexo. A mesma mulher a recebeu outra vez e a levou à sala de comando do Projeto Borda. Das dezenas de pessoas que estavam ali, ela apertou a mão do General Caldwell, comandante militar do projeto e abraçou o Dr. Pontes. Só aguardavam sua senha para entrar no computador principal do projeto e seguir o rastro deixado pelo invasor.
– Pronto – disse Laura para Pontes – agora temos a frequência do túnel dimensional deles. Mesmo que queiram reabrir temos como bloqueá-los.
Caldwell abraçou sua principal pesquisadora e pediu.
– Pronta para finalizar Dra? – coloque o ano em que estamos e a senha.
Laura Cornell respirou fundo. Sabia que sempre corriam um enorme risco quando captavam um invasor interdimensional tentando acesso ao planeta. Aproximou-se do computador central e acionou o teclado virtual:
– 2568 – imponderabilidade ilusória.
Fim
Um conto de Swylmar Ferreira
Imagem meramente ilustrativa retirada do site: http://ufosonline.blogspot.com.br