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A nação South – Episódio I Autor: Johnatan Willow


seastead j Willow

– Veja lá – disse uma mulher ao seu companheiro – Lá vem o iate da princesa Ludmilla, de uma das nações terrestres.

– Sim, é verdade – confirmou o homem –, mas continuo achando que não é boa idéia deixar que ela fique aqui, conosco. Precisamos alertá-la e fazê-la voltar pra casa.

– Não penso como você – retorquiu a mulher. – Além disso, a nossa comunidade já decidiu por recebê-la; acreditamos que, talvez ela possa ajudar a salvar todos nós. Acredito que ninguém poderá nos fazer mal enquanto Ludmilla estiver entre nós.

Ludmilla – que viera em trajes oficiais com as cores da bandeira de seu país – se localizava neste instante num iate, navegando em águas internacionais, no Atlântico Sul. A embarcação se dirigia para uma das três superplataformas extracontinentais que formavam o pequeno país artificial anarquista de South. Mal sabia ela que este era o princípio do fim. Do seu fim. Quando se aproximou do seastead mais ao norte, conhecido como Colônia Um, a princesa Ludmilla se encontrou com a representante eleita daquele pequeno país artificial.

– Muito obrigada por me receber, senhora – disse a princesa, cumprimentando-a gentilmente.

– Por favor, me chame de Juliern – disse a representante, com um sorriso meigo.

A representante (um tipo de líder) estava acompanhada pelo companheiro (quase como um marido), aguardando o desembarque dessa Alteza que não era sua. A princesa já sabia que não seria recebida, em South, com toda a pompa e circunstância devida à realeza, pois já sabia que, se tratando de um país oficialmente anarquista no meio do Atlântico Sul, os costumes e tratamentos à monarquia seriam um tanto gélidos ou ausentes. Mas isso de forma alguma deixou a princesa descontente ou preocupada. Pelo contrário, ela estava completamente extasiada com o fato de ser, naquele lugar, apenas uma pessoa comum, uma cidadã, coisa que ela não podia ser em seu país. Sem as preocupações ou atenções devidas à realeza, Ludmilla se via, secretamente, feliz com a chance de viver este antigo sonho de menina. Ela soubera, de antemão, que somente ela tinha recebido a permissão oficial de South para o desembarque. Logo, toda a comitiva que veio com ela, foi despachada de volta no mesmo navio por em que vieram. E Ludmilla ria-se de finalmente ver-se livre dos seus guarda-costas, damas de companhia e tudo mais.

Quando desembarcou na Colônia Um, seus olhos curiosos trataram de não perder nenhum detalhe: ela observava as ruas estreitas (pintadas em cores alegres, no chão da plataforma) que permeavam os prédios baixos e coloridos, observava as crianças brincando num minijardim, logo a frente. Ela viu, com surpresa, algumas pessoas passeando nas ruas com seus patinetes motorizados, outras trabalhando em seus notebooks, ou lendo em seus tablets. Ludmilla estava encantada em ver tanta ordem, limpeza e bem-estar, num país que o resto do mundo tentava pintar com cores desfavoráveis e assustadoras. E, agora, entendia porque Édouard, seu amigo, falava-lhe com tanto carinho deste lugar, e até lhe recomendou esta nação quando ela quis fazer seu intercâmbio de faculdade num país tropical.

South era a décima primeira maravilha do mundo, nos quesitos de engenharia, arquitetura e alta tecnologia. Através das diversas manifestações da mecânica marítima e da engenharia ambiental, a pequena nação produzia sua própria energia solar. Eles importavam apenas medicamentos, vestuário, alimentos e insumos. Sua economia era totalmente voltada para o setor de serviços (já que não era possível a agropecuária nas superplataformas), como bancos, seguradoras, TI, telemarketing, meteorologia mundial, astronomia, etc.

Os carbonários (como os cidadãos anarquistas gostavam de ser chamados) produziam muito pouco lixo, pois todos se orgulhavam de desenvolver as práticas de Repensar, Recusar, Reaproveitar, Reduzir e Reciclar praticamente tudo o que consumiam. Por ser um país tão pequeno e, tão longe de tudo, toda a comunicação de South com o resto do mundo se fazia por meio de cabos, utilizando a internet (TV pela internet, VOIP, rádio pela internet, etc.). Com isso, havia tantos órgãos e agências autônomas e competentes, criadas para a gestão de domínios e padrões técnicos da rede de computadores que, pela primeira vez, a rede mundial de computadores (a Internet) deixou de estar sob a supremacia dos EUA, para ser dividida com South, deixando, assim, de ser “uma ferramenta norte-americana de globalismo unilateral”.

A Geografia do país era extremamente simples: Sem qualquer relevo, cada plataforma tinha a exata distância de três quilômetros uma da outra, formando um enorme triângulo equilátero no Atlântico Sul. Para se chegar a outra colônia, devia-se utilizar um dos pequenos barcos preparados para isso. Nenhum outro navio de nenhuma outra nação da terra, ou seasteaders (pois havia outras três nações artificiais que ficavam no Pacífico e no Indico) poderia fazer esse transporte. Juridicamente, este território marítimo fincado no meio do oceano estava legalmente sobre a jurisdição de South, e sob a proteção militar das Nações Unidas.

Aluna de uma das melhores universidades do mundo, Ludmilla escolheu South para seu primeiro intercâmbio e vinha, pela primeira vez, para conhecer e aprender sobra a vida na única nação anarquista do mundo, criada num país artificial sobre o oceano (um seastead).

– Saiba que é uma grande alegria recebê-la em nosso território – disse a presidente esboçando um sorriso.

– Eu também estou muito feliz, Juliern – disse a princesa, em inglês.

Ludmilla sabia que em South, as línguas oficiais eram as mesmas da ONU: árabe, chinês, espanhol, russo, francês, inglês e, recentemente, o português, sendo que as línguas inglesas e francesas eram as mais usadas pelos cidadãos de Colônia Um; na Colônia Dois – devido a maioria asiática – o árabe, o russo e o chinês eram as mais praticadas; a Colônia Três, com maior concentração de latinos-americanos, usava mais o português e o espanhol. Ludmilla também conhecia cinco destes sete idiomas, mas preferia usar o inglês.

A princesa foi convidada a se instalar no quarto consecutivo ao da “presidente”, lugar escolhido por esta. Ao se acostumar com o caleidoscópio de cores e novidades que o panorama de South lhe oferecia, Ludmilla finalmente percebeu que algo inquietava a “presidente” e seu companheiro. No início ela pensou que era uma visita inoportuna e inconveniente, ou que era um grande incômodo, por se instalar tão perto da presidente e, até pensou em sugerir outro lugar para se instalar, se a presidente quisesse. Quando chegaram ao prédio onde ela ficaria, Juliern a deteve por alguns instantes, diante da porta do elevador, para dar algumas explicações corriqueiras e, num dado instante, suspirou profundamente e disse:

– Fico realmente feliz que você tenha vindo, menina, mas receio que você escolheu um momento… Um pouco infeliz, para nos visitar… Cara Ludmilla.

– Oh! Desculpe-me! – disse a princesa, levando a mão na boca. – eu realmente sinto muito… Não sabia que minha visita poderia ser inoportuna! Não quero ser um fardo, não mesmo. Eu só achei que esta visita de intercâmbio já tivesse sido negociada com a devida antecedência entre nossas nações – declarou ela, em tom de acusação.

– Oh! Não, Ludmilla, não é isso! – acudiu o marido da representante, que não fazia questão do título de princesa, e agora tentava explicar o engano. – Não pense que sua presença oferece qualquer incômodo, pelo contrário, ela é muito bem-vinda. Uma jovem tão gentil e amável como você jamais seria um incômodo. Não pense isso, por favor! Nem mesmo o fato de você pertencer à monarquia nos incomoda… O que eu digo é que, sua visita de intercâmbio terá de ser antecipada, pois os dias de South estão contados.

– Como? Perdão? – disse Ludmilla, sem compreender.

– O que meu companheiro está tentando dizer – acudiu a representante, num tom mais professoral. – é que South está ameaçada de destruição, com prazo marcado e tudo.

– Bem, vou tentar contar: há dois dias, um deus, que pensamos ser Posídon, o Sacudidor de Terra (e que diz ser dono desta região do Atlântico) reivindicou seu território marinho e estipulou um prazo, até sexta-feira próxima, para que abandonemos tudo e fujamos. Do contrário esta ilha artificial será subvertida.

– Acho que ainda não entendi – disse a princesa, lançando um olhar arregalado de um para o outro.

– Vamos tentar explicar melhor – iniciou o companheiro de Juliern. – Tudo começou há mais de três anos atrás, quando um homem forte, de olhos azuis e olhar grave, apareceu aqui, na Colônia Um e bradou sobre um dos prédios que era um deus, um deus do mar, e exigia que o adorássemos, pois esta região era exclusivamente dele. Achamos que se tratava de um louco e tentamos capturá-lo, porém, com uma mão ele matou quatro homens e, chamando o mar, fez uma onda gigantesca subir e tragar uma de nossas embarcações: dezoito pessoas morreram, no total. E entenda que nossa nação jamais registrou um homicídio em dez anos.

“Então, pedimos que ele partisse, se retirasse da nossa plataforma, pois somos um país anarquista e laico, e não seria possível cumprir seus caprichos. Entretant ele apenas gargalhou e disse que deveríamos mudar nossa forma de pensar e erguer um templo em sua homenagem, ao deus do mar, ou toda esta nação pereceria.”

“Dias depois, procuramos esquecer o ocorrido, e continuar com nossas vidas, uma vez que a promessa de morte jamais se cumpriu. Contudo, há dois dias, este mesmo deus voltou fazendo a mesma ameaça: abandono ou rendição. Juliern convocou uma assembleia, que aconteceu ontem, para discutirmos o problema; e convocou outra para amanhã, com todos os carbonários (pois não possuímos deputados e todas as nossas votações são diretas), para uma votação. Então, decidiremos, seja para o fim do governo anarquista, seja para a evacuação do país.”

– Mas qual o interesse de Posídon, nesta plataforma de aço e concreto? – perguntou a princesa, tentando assimilar aquilo com toda a naturalidade e urgência que situação exigia.

– Bem, Ludmilla – disse o marido de Juliern – ainda não sabemos, mas suspeitamos de algumas coisas…

– Mas, então… South está condenada? E vocês não vão fazer nada?

– Bem! Talvez… Mas sempre há a chance disso tudo ser uma grande brincadeira, minha filha – disse o homem. – Pensamos em pedir ajuda externa, mas nem mesmo nós acreditamos muito nestas ameaças… Mas, se você não quiser ficar aqui, podemos solicitar que te levem ao Rio de Janeiro e, de lá você será entregue à embaixada do seu país e…

– Mas, antes, vá descansar um pouco – solicitou Juliern. – Você acabou de chegar e seria muita falta de hospitalidade tirá-la daqui de imediato. Amanhã, depois da assembleia, quando tivermos tudo decidido, faremos isso. Talvez até abandonemos South junto com você. Tudo dependerá das eleições diretas. E você terá a chance de ser a única nãocarbonária a participar (ainda que sem voto) de uma autêntica assembleia anarquista oficial no mundo (e que pode ser a última).

Bem, vamos agora a algumas explicações mais aprofundadas sobre a nossa nação artificial. Tendo atraído tanto ódio e despeito de diversas nações e temendo uma represália militar, South se viu obrigada a se moldar, o mínimo possível ao sistema mundial. E, para isso, o estado anarquista de South teve que tomar algumas ações urgentes. A primeira e mais urgente das ações foi tentar ingressar na Organização das Nações Unidas. E, para isso, South precisava de um carbonário para representá-la perante a ONU, receber chefes de Estado, negociar acordos econômicos e de defesa com algumas nações aliadas, etc. Logo, era necessário um líder (nos moldes de um presidente) eleito direta e democraticamente. Este poder era, no entanto, fictício, pois o lider representava de forma voluntária e figurativa, apenas as decisões das cooperativas sobre assuntos judiciais, comerciais, diplomáticos, etc., com o resto do mundo. E, neste caso, o líder eleito era uma mulher. Juliern e seu companheiro estavam no cais, aguardando que a princesa Ludmilla desembarcasse para começar seu intercâmbio.

Não havia forças armadas em South, não havia armamentos, nem policiais, nem energia nuclear, e todos viviam em sob a égide da Cultura de paz. Contudo, fora das plataformas anarquistas, imperava uma sensível, fraca e realmente falsa sensação de paz que as superpotências capitalistas fingiam ter para com a pequena e pacífica nação, que era do tamanho de Mônaco, talvez, contudo mais poderosa que esta.

Motivos para esta antipatia não faltava porque, primeiro; em South, a forma de governo era o Anarquismo, ou seja, este território (longe de qualquer lei de qualquer outra nação) criou suas próprias leis e seu próprio sistema de governo que, acreditava-se, seria impossível se manter em terra firme ao lado de qualquer nação com qualquer outro sistema de governo. E este sistema livre de ver o mundo e viver nele estava dando extraordinariamente certo, atraindo a atenção e inveja de observadores, governantes e déspotas por todo o mundo.

Segundo: em South também havia, pela primeira vez na história da humanidade, experiências biológicas humanas proibidas, como a clonagem e a reanimação de indivíduos outrora mortos através da eutanásia; pesquisas estas, que eram muito mal vistas – e criticadas – pela comunidade internacional.

Terceiro: South não tinha um governo formal e comum: todo o pequeno povo (não passavam de cinco mil pessoas) vivia em uma espécie de cooperativa, onde não havia a propriedade privada, nem religião, nem o poder do Estado. E estavam prosperando mais que outras nações capitalistas pelo mundo. Em todo o mundo, ditadores e déspotas anunciavam sua intensa reprovação misturada com recalque, a este tipo de governo.

A princesa, ainda chocada e sem dizer nada, foi conduzida até seu quarto sem conseguir, contudo, admirá-lo como esperava que aconteceria, durante a viagem. Deitada na confortável cama, Ludmilla pôs-se a refletir um pouco na desgraça daquela nação e deparou-se com a janela aberta para o sol poente de julho, brilhando lá fora. Aproveitou para observar o sol se pôr, pela primeira e última vez, em South. Quando o sol já não era nada além de uma mancha rosadas no horizonte, ela suspirou e já se preparava para solicitar a presença ketch real para o dia seguinte, quando ouviu um som, por detrás dela.

Ludmilla virou-se e viu uma figura feminina bela, morena e alta, ao lado da cama, diante do criado-mudo. A mulher morena estava vestida de azul-escuro que a cobria por completo, e um véu, de igual cor azul. Ao ver o susto que causara na princesa, a mulher esboçou um sorriso e pediu desculpas pelo susto.

– Quem é você? – perguntou a princesa, de imediato, ainda bastante assusta.

– Eu sou Webera, a deusa da Internet – disse a mulher.

– Deusa?

– Sim, eu sou uma deusa. E eu decidi me manifestar a você só agora, princesa Ludmilla, pois, diferentemente dos outros humanos desta nação, você é uma mulher de de inegável origem real, ou aquilo que os deuses chamam de berço excelente. Assim como os deuses antigos se manifestavam para homens de caráter elevado, como Ulisses, ou Aquiles, eu me manifestei aqui, nos seus aposentos – dizia ela, com um gesto, abarcando todo o pequeno quarto –, porque você não é uma mulher comum. Só você, princesa, poderá salvar esta nação… Que eu criei.

– Você criou? Você, uma deusa, criou uma nação anarquista? – perguntou a princesa, sem entender nada.

– Sim. South foi um projeto original meu – explicou a deusa, agora tirando seu véu por completo da cabeça e mostrando seu sorriso alvo, seus olhso castanho-claros e seus cabelos trançados. – Todos os outros deuses possuem uma nação ou uma cidade, do qual é protetor, exceto eu. Então eu planejei uma nação especial, composta de intelectuais, artistas, cientistas, filósofos e gênios – dizia ela andando pelo quarto e admirando-o com educada interesse. – Através das redes sociais e da própria rede de computadores, eu convidei diversos deles, no intuito de criar uma nação com governos e leis próprias, como eu planejei. O anarquismo foi apenas uma saída mais lógica para o tipo de domínio que a internet precisaria ter na minha nação; sem regras. Sem fronteiras. Sem vigilância. Sem restrições. Foi assim que eu idealizei South: um ambiente de alta tecnologia que casaria bem com o sistema anárquico, gerando toda sorte de pesquisas em prol das ciências e do conhecimento humano.

“Eu ajudei com as negociações de compra desta plataforma, que já estava semi-construída em águas internacionais. Discuti com alguns deuses, manipulei regras jurisdicionais, protocolos, programas e até governos. No fim, consegui influenciar na criação da minha linda South. – fez ela uma pausa e observando a reação princesa, que mal piscava, ouvindo atentamente suas palavras. – Aqui, praticamente tudo é virtual e compartilhado na internet: o lazer, o trabalho, o conhecimento. A biblioteca virtual mais completa do mundo fica aqui, a Universidade Aberta de South – um primoroso bem para a humanidade – também. Enfim, eu planejei esta paraíso anarquista, pois sabia que eu teria a primazia desta pequena nação. O ciberespaço deste país artificial é bem maior que estas três plataformas, alcançando servidores, satélite e backbones no mundo inteiro. Eu sou a protetora de South, diante do panteão dos deuses criados pelos homens.”

“Todavia, com esta conquista, eu me tornei malquista entre os deuses, assim como South é odiosa aos olhos das superpotências econômicas e militares mundiais. A prosperidade de South incomoda os deuses e os homens. Por isso, minha cara, não pense que seja algo muito estranho a forte ligação entre estes dois.”

– O que você quer dizer com “forte ligação entre estes dois”? – tornou a perguntar a princesa, cada vez mais interessada na fala da deusa, mas dessa vez, ela não encontrou a resposta que desejava. A deusa apenas disse:

– Estão tentando destruir esta nação. Imaginei que o ataque seria militar e, por isso, permaneci vigiando diversas nações pelo mundo, mas agora… Até os deuses parecem querer ajudar os que são contra minha criaçao…

– Mas, se as potências econômicas, como você diz, odeiam tanto sua South, por que não o fazem com um ataque militar, já que possuem recursos para isso.

– Bem, princesa, não é muito simples responder a esta pergunta, mas acredito que, com a intervenção divina, a culpa jamais recairá sobre as superpotências, pois a opinião pública internacional jamais poderá culpar esses países por um ato divino. A desculpa é perfeita, entende? Entenda: com isso, o projeto de arma geofísica do HAARP ficaria no chinelo… E acredite: as guerras deste século não serão travadas com homens e armas… há meios mais eficientes de se derrotar um inimigo… Não posso dizer mais coisas, mas um ato divino é o modo perfeito para acabar, de vez, com esta nação sem qualquer suspeita. Destruindo as plataformas e toda a sua fundação (que fica no assoalho do Atlântico), até o desejo de re-construção do projeto magnífico que é South ficará perdido no fundo do mar. E, se os carbonários abandonarem o seastead, nós sabemos que estará perdido, para sempre, a maior das esperanças do mundo de tentar criar um sistema anarquista puro. E é por isso que eu preciso da sua ajuda.

– O que eu posso fazer?

– Você pode salvar este país, mesmo ele não sendo o seu! Você precisa escrever um manifesto e assiná-lo, como princesa, acusando este ato criminoso perante as Nações Unidas. Sua palavra como princesa terá toda a confiança e peso que South precisa. Acredito que sua origem monárquica e sua coroa estejam incólumes aos argumentos hostis de quem quer que seja, contra o sistema anarquista vigente aqui. Seu carisma, mesmo sendo da realeza, para salvar esta nação e tudo que acreditamos, será fundamental para South. E você poderá provar e acusar diante da ONU (com as provas que te darei), o plano terrível arquitetado por aqueles que detêm tal poder… Sabe princesa, manifestei-me unicamente pra você, hoje, para te revelar, o plano que o céu e a terra estão tramando contra South, o modo que querem sua destruição, e como podemos fazer pra evitar isso. Ninguém, em South, desconfia da influência de alguns humanos sobre Posidon, o deus do mar. Isso, minha cara, facilita e muito o trabalho deles de atormentar este seastead sem causar qualquer suspeita.

“Agora que te contei um pouco do que sei, você deve convencer não só South, mas o mundo todo desta aliança maligna. Amanhã você será convidada para se pronunciar na Comuna dos Carbonários, a grande assembleia anual de South. Diga-lhes! Denuncie os que querem o mal deste projeto. Você, com seu prestígio e respeito, poderá convencer quem quer que seja, carbonário ou cidadão comum, e terá por fidedigna as suas palavras diante do Conselho de Segurança da ONU para impedir este plano de destruir uma nação, cujo único crime é incomodar o regime capitalista neoliberalista destas nações gananciosas. Nunca aconteceu, desde Vasco da Gama e os Lusíadas, dos céus e da terra se unirem contra o intento e o sucesso de um povo. E é por isso que eu me manifestei a você e planejei sua vinda para cá.”

– Como assim, planejou? – questionou a princesa – Eu estou aqui para um intercâmbio, para aprender mais sobre política internacional. Até recebi indicações do meu amigo, o Édouard… – reclamou ela indignada.

– Claro que sim! Claro! Mas o curso que você escolheu sofreu minha influência, assim como parte da política internacional – disse a deusa, olhando pela janela e admirando a Colônia Dois, a distância, com o olhar perdido, sonhador. – Durante três anos, todas as pesquisas que você fazia, nos sites buscadores eu a direcionava para este assunto. – disse ela, voltando a encarar a princesa. – Eu queria que você se interessasse cada vez mais por novas tecnologias, por novos sistemas políticos e pela ideia de fazer intercâmbio. Fiz você ler documentos e mensagens sobre isso, fiz seus amigos indicarem-lhe este lugar… até você se decidir, por conta própria, a vir para cá. – respondeu a deusa, tranquilamente. Quando ela percebeu a indignação da princesa, a deusa acrescentou. – Como eu já disse, você é muito especial, e eu precisei de você, justamente para este momento.

– E por que você não fez o mesmo com os governantes das nações da Terra? – perguntou a princesa, ainda indignada por se sentir tão manipulada. A deusa não disse nada por um momento, parecendo apreciar a vista da Lua sobre o mar, e o seu brilho esbranquiçado banhar de luz sua querida e bela South. Enfim ela disse:

– Eu poderia ter feito isso, sim, princesa, mas, veja bem; isso gastaria muito mais tempo, influência e persuasão. Sem falar que os governos mudam, enquanto que a monarquia permanece. Sempre tive grande carinho pela monarquia… Mesmo que um plano de influenciar chefes de Estado funcionasse, jamais teria tempo o suficiente, afinal, eu só tenho até sexta-feira para livrar esta nação magnífica da destruição completa. E além do mais, estamos em guerra celestial, pois os deuses que não gostam de South apostam, como principal trunfo, na falta de tempo para salvá-la… Por favor, minha filha, você precisa escrever este manifesto à ONU, precisa explicar que esta nação anarquista não é nada do que eles pensam e não representa qualquer risco ou problema internacional. Diga-lhes o modo de vida deste povo, a ordem e o progresso que você tem observado, e convença-os que, deixar esta nação em paz é coisa mais sensata a ser feita. Diga-lhes também sobre a ameaça repousa sobre o céu de South, ou que dormita no fundo do oceano… Ou até mesmo está entre nós! Denuncie o maligno intento geocelestial que pretende acabar com a paz e a esperança de um mundo melhor, onde exista, verdadeiramente, uma cultura de paz e desobediência civil em pleno Atlântico. Escreva o manifesto, cara princesa, e deixe comigo, que eu garantirei a entrega para cada Chefe de Estado do planeta! – disse a deusa, determinada.

Continua no episódio 2

Johnatan Willow Dias de Andrade tem 25 anos, é escritor contista e formado em Letras – francês, pela Universidade Federal de Goiás. Nasceu em Goiânia-GO, onde ainda mora, e é apaixonado por literatura. Sempre é possível vê-lo pela cidade, de mochila nas costas, nos circuitos culturais da capital.

 

Imagem ilustrativa enviada pelo autor do conto e retirada do site:  http://www.seasteading.org/

Um comentário em “A nação South – Episódio I Autor: Johnatan Willow

  1. Rafael Almeida
    26 de julho de 2015

    Achei divertido o texto. Acho que é interessante o fato do país ser tão ascético. Bem tipico das construções intelectuais do homem. Tenho procurado outros sites de contos pela Internet. Também faço os meus, acho que o mais próximo de sci-fi que já fiz é este: http://contos.kontesti.me/Disco%20voador me fale o que você acha. Eu sou um mero amador 😛 Não sou formado em nada relacionado à escrita (bom, pelo menos à escrita em linguagens naturais)

    Estou curioso para ler a segunda a parte e descobrir o destino desse estado condenado pelos homens e deuses 🙂

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Publicado em 24 de julho de 2015 por em Contos.

A saga de um andarilho pelas estrelas

DIVULGAÇÃO A pedido do autor Dan Balan. Sinopse do livro. Utopia pós-moderna, “A saga de um andarilho pelas estrelas” conta a história de um homem que abandona a Terra e viaja pelas estrelas, onde conhece civilizações extraordinárias. Mas o universo guarda infinitas surpresas e alguns planetas podem ser muito perigosos. O enredo é repleto de momentos cômicos e desconcertantes que acabam por inspirar reflexões sobre a vida e a existência. O livro é escrito em prosa em dez capítulos. Oito sonetos também acompanham a narrativa. (Editora Multifoco) Disponível no site da Livraria Cultura, Livraria da Travessa, Editora Multifoco. Andarilho da estrela cintilante Por onde vai sozinho em pensamento, Fugindo dessa terra de tormento, Sem paradeiro certo, triste errante? E procurar o que no firmamento, Que aqui não encontrou sonho distante Nenhum outro arrojado viajante? Volta! Nada se perde com o tempo... “Felicidade quis, sim, encontrar Nesse vasto universo, de numerosas, Infinitas estrelas, não hei de errar! Mas ilusão desfez-se em nebulosas, Tão longe descobri tarde demais: Meu amor deste lugar partiu jamais!”

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Bom dia.
Aproveito este espaço para divulgar o livro da escritora Melissa Tobias: A Realidade de Madhu.

- Sinopse -

Neste surpreendente romance de ficção científica, Madhu é abduzida por uma nave intergaláctica. A bordo da colossal nave alienígena fará amizade com uma bizarra híbrida, conhecerá um androide que vai abalar seu coração e aprenderá lições que mudará sua vida para sempre.
Madhu é uma Semente Estelar e terá que semear a Terra para gerar uma Nova Realidade que substituirá a ilusória realidade criada por Lúcifer. Porém, a missão não será fácil, já que Marduk, a personificação de Lúcifer na Via Láctea, com a ajuda de seus fiéis sentinelas reptilianos, farão de tudo para não deixar a Nova Realidade florescer.
Madhu terá que tomar uma difícil decisão. E aprenderá a usar seu poder sombrio em benefício da Luz.

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