Blog para contos de ficção científica, literatura fantástica e terror
A cidade, outrora uma grande megalópole que acomodava mais de dez milhões de habitantes, está abandonada. As suas ruas e avenidas desertas dão um ar de melancolia e tristeza à destruição. O silêncio é tão grande que talvez eu pudesse escutar um rato andando no que foi um dia uma calçada. Escutaria se existisse algum.
Uma névoa cinza azulada cobre a paisagem até onde eu posso ver. Desço por uma escadaria que, em uma época não muito distante, levava ao metrô… mas agora só existe destruição e morte. Mortes antigas…
Observo esqueletos humanos, alguns inteiros, mas a maioria aos pedaços. Entretanto, há também mortes recentes. Vejo uma bio-armadura e me aproximo. Era um dos meus, reconheço a numeração no ombro direito, imediatamente me lembro do rosto assustado e do olhar negro sem esperanças. Está dividido em dois, pobre rapaz.
Ando até o trem, um vagão ainda está inteiro, só um, os outros destruídos, metal retorcido e queimado pelo disparo efetuado pela nave-mãe alienígena. As pessoas que estavam nos vagões, tentando se esconder, fugir, salvar suas vidas, foram desintegradas. Imagino o calor, os gritos, o horror e o desespero. Ainda me emociono, tento respirar fundo, mas os filtros do capacete estão contaminados e já não funcionam bem. Volto até o soldado morto e pego munição e um par de filtros, preciso viver.
A claridade vinda da cratera aberta no asfalto pela arma de plasma é grande, ilumina quase toda a estação. Subo as escadas e esquadrinho o céu. Parece esverdeado, talvez seja o meu visor, não importa, não mais. Sou o chamariz, o rato na armadilha para pegar o gato. É assim que lutamos agora… Cinco anos.
Nós já os havíamos observado. A sorte nos favoreceu quando um dos observatórios astronômicos no deserto de Atacama visualizou as astronaves que vinham em direção à Terra, perto de Júpiter, se reagrupando. Mesmo assim o tempo foi curto. O primeiro ataque foi arrasador, mais de um bilhão de mortos.
Meu sensor de movimento captou alguma coisa. Vejo um carro capotado na esquina, com a dianteira ainda meio enterrada na parede e me dirijo para lá. Sinto imediatamente a excitação, certa alegria. Estou caçando de novo.
Calibro a injeção de ar purificado do capacete para respiração e aguardo. É um Voker, nós os chamamos carinhosamente de cães de guerra, caminham sempre em duplas e andam sobre quatro patas, são monstros cruéis. Uma das três espécies que nos atacaram, todas espécies inteligentes e nativas no mesmo planeta.
No início dos ataques eles eram trazidos às centenas e desembarcados em nossas cidades matando muitos dos nossos, só que a coisa mudou. Muitos dos nossos cientistas foram recolhidos em laboratórios subterrâneos que funcionavam como bunkers gigantescos em diversas partes do globo e nosso sistema de comunicação por cabos de fibra ótica, mesmo precariamente, funciona.
Estou imóvel e inteiramente encostado na lataria aguardando. Observo eles andando no meio das ruas cheias de destroços, desembainho o gládios e assumo posição de defesa. Sei que são apenas lacaios, os que fazem o trabalho sujo. Nenhuma aeronave virá para socorrê-los. Permaneço imóvel, tenho esperança que eles vão embora e eu não precise usar munição especial neles. A armadura do Voker é muito boa, cobre toda a parte superior do corpanzil e resiste aos projéteis dos nossos fuzis, mas não protege sua boca. Dou azar, o que está mais atrás tem um vislumbre de minha presença e começa os movimentos usuais de lado para o cerco. Tenho que viver.
O primeiro salta na minha direção com a intenção de me morder, os dentes metálicos são uma arma formidável. Mas os pequenos escudos nos meus braços são feitos de uma liga metálica resistente. Recuo um passo e o atinjo com a ponta da lâmina no céu da bocarra. Afasto-me o mais rápido possível, imediatamente o Voker para e sua cabeça explode. Viro-me rapidamente e me jogo sobre o outro que está a pouco mais de um metro de distância e atravesso sua cabeça com a lâmina, faço o mesmo procedimento. O gládios injeta, por meio de uma agulha, uma bola de gás comprimido que cresce instantaneamente e explode. Toda a ação não durou mais de dez segundos… morte rápida.
Caminho o mais rápido que a bio-armadura permite em direção ao meu primeiro esconderijo, entro na edificação abandonada e desço as escadas até o terceiro nível. Nada. Atravesso o que já foi parte da rede de esgotos da cidade e saio a quatro quadras de lá.
Lembro-me do dia do segundo raide aéreo. Eu, minha mulher e minha filha tínhamos fugido da cidade e estávamos na floresta com centenas de outros civis. Naquela época ainda tínhamos muitos militares que tinham ficado para guerrear na cidade, outros nos acompanhavam como proteção. Duas naves de ataque nos emboscaram e apenas poucos conseguiram fugir e se esconder em uma caverna. Eu não fui um deles, sofri queimaduras nas pernas durante o ataque e falei para que minha mulher levasse nossa filha para a caverna, para a segurança.
Minha família, assim como poucas centenas de pessoas, tiveram essa “sorte”. Sorte de conseguir entrar na caverna antes da chegada dos Cães, que nunca vieram. Uma das naves fez um disparo de plasma e matou a todos na caverna, queimados, incinerados…
Nunca entrei na caverna, não deixaram, não havia nada para reconhecer. Pareciam milhares de naves atacando. Foi assim em todos os cantos do planeta.
Subo em uma edificação arrasada, mas as escadas me possibilitam chegar apenas ao terceiro pavimento, é o meu acampamento numero dois. Pego o binóculo e observo a sudeste, vejo outro soldado tentando se camuflar a uns três quilômetros dali. Viro na direção noroeste e vejo um grupo de cinco Ogros. Nós os chamamos assim devido à sua armadura biológica grotesca, horrenda e poderosa. Muito melhor que a dos Vokers. A nossa é parecida. Sabe como é, vale tudo na guerra pela sobrevivência, roubo de tecnologia, engenharia reversa… e de repente, nós temos também as nossas bio-armaduras.
Pego o disparador elétrico e coloco nossa munição especial para Ogros, mandada diretamente de um bunker na América Central para nós. Se eu conseguir acertar um ou dois, eles vão chamar reforços. Em geral vêm os alados, com suas armas de plasma.
As coisas mudaram um pouco no último ano, nossas armas melhoraram muito, pior para os aliens. Retiro uma placa de concreto pesada para facilitar a fuga na escadaria, mas fazendo isso posso comprometer minha segurança.Vou até a borda da construção, deito no chão e posiciono o disparador. É uma arma pesada, precisei da ajuda de outros três soldados para subi-la até o local correto.
Os Ogros estão vindo em minha direção, dois mais a frente e os outros três mais atrás. Miro no último, a distância ainda é muito grande, mas atiro mesmo assim. Não há som. Sucesso, sorte, cagada, não sei. A bala tem aproximadamente seis centímetros e, quando bate na blindagem do Ogro, abre e injeta outro projétil menor que penetra na bio armadura. Ele caiu.
Os outros parecem não se dar conta e continuam andando dois passos, três, quatro, o suficiente para que eu possa recarregar, mirar e atirar de novo…..nossa, hoje estou cagado. Acertei no lugar que poderia ser a cabeça. Dessa vez eles percebem, mas eu já estou recarregando enquanto eles ligam sua tecnologia para descobrir aonde eu estou. Dou o terceiro tiro no que está ajoelhado, manipulando o equipamento e faço a terceira baixa. Nunca tinha conseguido isso.
Um Ogro sai da rua e entra na edificação. O outro corre e vira a esquina onde eu não posso observar. Presumo que ele vem tentar me cercar. Ligo o monitor no capacete e me arrasto para trás por uns dois metros e engatinho na direção das escadas. Pego minha mochila e desço o mais rápido que posso e me escondo. Sei que vão me atacar, pois os ruídos no meu monitor indicam que o Ogro pediu ajuda e em breve os alados estarão por aqui.
Vou para meu esconderijo numero quatro. Tenho cinco deles. Está quase anoitecendo. Este é uma antiga caixa d’água no subsolo, onde eu quebrei parte da parede lateral. Deito e examino minha bio-armadura. Faço um escaneamento no meu capacete a procura de vírus cibernéticos. Nada.
Lembro que o coronel que comanda a resistência na cidade chamou meu pelotão há seis semanas e nos deu essa missão. Missão suicida, eu disse na hora. Mas é essa a sua missão capitão, sua e de seus homens, ele disse.
Vinte e seis homens, o primeiro a morrer foi meu tenente e o último, o soldado que vi de tarde no metrô. Acredito que ainda deva ter uns nove em condições de combate. Três feridos que tinham condições de sair foram dispensados e voltaram para a base, fora da cidade. Talvez só eles sobrevivam.
Abro um compartimento no cinto, tiro o joystick e começo a preparar a armadilha para os voadores. Tiro também duas fotografias. A primeira tem a imagem da minha mulher amamentando minha filha. Ela sorri e mesmo depois de tanto tempo sinto uma enorme saudade delas. Na segunda estão minha mãe e meu irmão mais velho. Ele tinha uma doença degenerativa e não podia mais andar. Era dez anos mais velho e o meu grande e melhor amigo. Mamãe cuidava dele, mas não conseguiram sair desta cidade a tempo. Cheguei tarde demais para tentar salvá-los. É a história da minha vida. Coloco as fotos encostadas na parede e observo.
A noite está clara hoje, é a noite que esperávamos, vejo luzes de disparos de energia dos invasores. Estranho, não gostam de lutar à noite. Buscam alguma coisa, creio que sou eu, querem vingança. Devem ter descoberto a posição de um de meus homens, provavelmente ele fez um estrago nas forças aliens, ou ainda está fazendo. Alguns alados e um grupo de Ogros vêm em minha direção. Preparei uma surpresinha. Duas aeronaves circulam minha posição e vão embora.
Estou encostado, de costas para a parede do que foi uma vez o elevador. Olho para a parede em parte desmoronada à minha frente e reconheço o lugar. Vim até aqui uma vez com minha esposa, era nosso primeiro aniversário de casamento e ela ficou encantada com o quadro na parede do corredor e me fez prometer comprar uma cópia para colocar em nossa casa. O sorriso dela não me sai da cabeça, seus cabelos negros, olhos castanhos claros, seu corpo jovem e delicioso.
Tenho que parar… estou enlouquecendo, talvez seja a solidão, talvez seja o ódio pelo inimigo… não… eu não tenho ódio pelos inimigos, não mesmo. Simplesmente não sinto nada, só quero sair daqui, sair da cidade, comer comida decente. Quero minha mulher e minha filha de volta, quero minha mãe e meu irmão, quero meu emprego… o que eu quero é a minha antiga vida de volta.
Lembro-me que um cientista famoso uma vez disse considerar uma irresponsabilidade enviar a posição do nosso planeta para o espaço profundo, sinais de rádio e outras formas para tentar comunicação. Pagamos por isso. Esses alienígenas levaram muitos dos nossos, para que eu não sei, comida talvez, escravos, estudos… não sei.
Uma explosão me traz de volta à realidade, ando até a borda do primeiro andar, os Ogros estão quase na posição de uma das surpresas que preparei, apenas mais alguns metros… então, de repente, dois voadores estão acima da minha posição, acho que me escanearam. Aciono a surpresa. É uma mina de dois estágios, o primeiro salta no ar e, ao explodir, manda centenas de agulhas envenenadas por trezentos e sessenta graus. As armaduras biológicas ficam cheias de veneno, intoxicadas e seu sistema de defesa faz com elas abram os respiradores. O segundo estágio é acionado automaticamente após cinco segundos e espalha gás venenoso à base de cloreto de sódio e mais algum elemento que os cientistas localizados no bunker da Europa descobriram ser letal para eles. O gás é lançado em todas as direções. Em pouco mais de um minuto todos os Ogros estão mortos, cerca de trinta, fiz um estrago.
As aeronaves são feitas de um material biológico como as armaduras, só que mais sofisticadas, inteligentes, e mais perigosas quando estão com a terceira raça alienígena como pilotos, formando uma espécie de simbiose. Ouvi uma vez uma história contada por um piloto francês que estes eram parecidos conosco, que os havia visto enquanto foi prisioneiro, grandes, cabelos brancos e pele grossa acinzentada, sem pelos.
Elas já estão disparando em minha posição, vou até as janelas e pego o joystick. Aciono o meu “brinquedo” predileto. Todo feito de polímero, um quadrado com um metro e meio de cada lado, possui quatro hélices que o faz voar e dois disparadores de dardos com o gás injetável. Os disparos da arma de energia estão cada vez mais perto. Levo meu “brinquedo”, chamado quadricóptero, até perto da aeronave e disparo uma seringa contra a primeira aeronave, então um disparo faz com que a parede caia sobre mim.
Sobrevivo, a armadura é eficiente, meu coração bate acelerado. É medo.
A outra aeronave acaba de lançar uma arma de gás corrosivo contra minha posição. Algum tipo de ácido. Se não tivesse trocado os filtros hoje cedo já estaria morto, mesmo assim sinto o gás dissolvendo a liga metálico-polimerizada da armadura.
Não tenho como fugir, caiu uma viga de concreto prendendo minha perna, não tenho opção, alcanço o joystick e aproximo o quadricóptero da segunda aeronave que continua disparando na edificação.
Vou morrer, penso. Chego perto o suficiente para um disparo, o último. Meu brinquedo foi desintegrado. Espero a morte por alguns segundos, mas ela não vem.
Uma segunda explosão, dessa vez maior clareou a madrugada. Não vi de onde veio, acredito que outros soldados do meu pelotão estão em ação. As aeronaves tentam ganhar altura, subindo algumas dezenas de metros, então uma delas aderna e cai abruptamente no solo. A outra continua a subir até se chocar contra uma edificação e explodir. Trabalho feito.
Ouço alguém me chamando, é minha mulher. Ela diz para eu sair rápido dali. Acordo, mas minha perna ainda está presa. Alcanço um pedaço de ferro e o uso como alavanca, levanto apenas alguns centímetros e consigo me libertar. Dezenas de aeronaves estão se afastando da cidade e Ogros e Cães correm para seus transportes. Já vi isso antes, significa que uma das Baleias (naves-mães) está descendo e vai atacar com seus canhões de plasma, destruidores de cidades, aniquiladores de civilizações. Meu grupo, ou o que restou dele chamou sua atenção. Sento e me encosto na parede. Cansado, muito cansado.
Lembro do comandante dar nome à operação: isca de peixe. Eu e meus homens somos a isca para a baleia.
Uma cena dantesca acontece diante dos meus olhos, a nave mãe vem descendo, descendo, aumentando de tamanho… gigantesca, mais de um quilometro de diâmetro com certeza, e mais de uma centena de metros de altura, irregular, fantástica, fazendo pequenos disparos. Sei que nesse momento três carretas estão entrando na cidade, transportando uma nova arma. Essa arma necessita de muita energia, então colocou-se uma pequena usina hidrelétrica nos arredores da cidade para funcionar e um transformador de subestação alimentaria a arma.
A Baleia já está sobre a cidade, pairando centenas de metros acima. Da última vez que esteve ali tentamos de tudo para derrubá-la, mas ela nos arrasou, tinha escudo de energia. Agora os caminhões estão posicionados, mas devem esperar até o último segundo para disparar. A Baleia começa a energizar sua arma principal e então abaixa os escudos. Os caminhões disparam primeiro, no mesmo ponto, e uma explosão na lateral da nave faz com que ela aderne.
É impressionante ver as bolas de fogo explodindo como bleves, uma vez, duas vezes, três. Imediatamente começa a se afastar, mas é alcançada bem no centro por um segundo disparo vindo de fora da cidade. Uma explosão central, de dentro para fora, a Baleia aderna mais ainda e finalmente cai no solo, fora da cidade. Vejo clarões que iluminam a madrugada escura e ouço os trovões da morte.
O acampamento está em um lugar diferente, mais arborizado. Finalmente fiz uma refeição decente e não aquela porcaria de pasta ou jujuba. Dormi em uma cama de verdade e até já tomei um banho. Aguardo na barraca com oito dos meus homens, sem as bio-armaduras, foi o que restou do meu pelotão. O comandante entra e nos parabeniza. É a primeira vez que o vejo sorrir. Atrás, na parede, tem um mapa. Ele faz sinal para nos sentarmos e então outros homens entram e se sentam. Ele nos olha e diz: – Chega de moleza, tenho outra missão para vocês, capitão…
Um conto de Swylmar Ferreira
queria saber estes elementos dentro do conto.
•Enredo
•Verossimilhança
•O conflito
-apresentação do conflito
-climax
-desfecho
•Tempo
•Foco narrativo
•Personagens
Ótimo Conto!
Gostei muito do conto !! Muito Legal 😀
Muito obrigado Micael. Vou continuar postando, espero que os outros também agrade.
Muito obrigado. A imagem foi montada de figura da net.
Conto muito bom. Parabéns. O visual também está legal.