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À noite a chuva cai


Os dias estavam muito quentes ultimamente. Para dizer a verdade nas últimas semanas, fazendo com que os habitantes da megalópolis permanecessem dentro de seus ambientes, fosse de trabalho ou nas suas moradas, o que fosse mais fácil.

Sid havia saído do banho. Ainda seminua olhava a cidade enquanto terminava de se enxugar. Teve a sorte, há cinco ciclos atrás, de ser selecionada para ocupar uma das torres da área noroeste da cidade, a que era mais habitada.

O sinal luminoso de alerta fora acionado. Tentou acessar a rede da edificação para saber o motivo e não conseguiu. Resolveu deixar para lá.

Vestiu-se rapidamente enquanto observava pelo visualizer1 o “homem” chamado Alquierus, em imagens sobre sua área de vivência. Aquela era a filmagem mais vista pela sociedade atual.

Ele estava ocupado tentando entender o funcionamento do pequeno coletor de energia. Alquierus olhava tudo ao redor com grande surpresa. Parecia ser um aficcionado de inovações tecnológicas mas ele não estava preparado para aquilo. Tudo era novidade e, ao menos para ele, alegria. Pelo menos era isso que se esforçava em demonstrar.

Sid parou repentinamente a reprodução do visualizer e com apenas um gesto de mãos fez com que a fita voltasse ao início, ao ambiente monocromático onde haviam colocado o “homem”.

A criatura representava, ao menos em sua forma de pensar, tudo aquilo que seu povo mais odiava e depois de tantas vezes vê-lo, sua imagem, seu rosto trêmulo por medo ou ódio, passou a não significar mais nada. Até que um dia, em um momento… o amou. Finalmente naquele dia sua alma Dróide entendeu a ânsia da criatura por liberdade.

Alquierus, ou ao menos uma parte dele, fora encontrada dentro de um dos muitos objetos metálicos depois do degelo. Os cientistas ficaram extasiados por encontrar algo com o qual poderiam recriar o “homem”.

Não! O objetivo nunca foi recriar a espécie, mas sim poucos indivíduos, para que pudessem estudá-los e quem sabe voltar a crescer, voltar a…

Sid voltou-se outra vez ao visualizer e viu que, naquela posição ao ar livre, no topo do edifício de 250 andares, a tela parada parecia alcançar uma graça diferente. Sorriu e se sentou olhando o firmamento. Estava feliz por ter feito parte de quase todo o projeto, de quase todo o processo.

Haviam milhares de cidades, a imensa maioria herdadas do homem. Não pelo fato de eles terem-nas abandonado, mas por terem-nas deixado como parte de seu legado.

O “homem” fora desaparecendo aos poucos e deixando tudo para “seus filhos” – suas máquinas, robôs, androides, replicantes, o que quer que fossem. Não porque nutrissem qualquer tipo de sentimento por eles, mas porque simplesmente sua luz foi se apagando ao longo de pouco mais de um século.

Sid já havia parado para pensar milhares de vezes, ou seriam dezenas de milhares, sobre o porque de assistir aquilo outra vez. Talvez fosse medo ou simplesmente a mínima esperança de evitar que o que havia acontecido a eles, acontecesse com seu povo.

Vestiu-se rapidamente e tomou o elevador, saindo direto nos mobiles. Entrou no primeiro disponível e foi em direção ao centro de ciências avançadas. Reparou que o sinal de alerta luminoso estava mais rápido.

Entrou no complexo de prédios gigantesco sem que ninguém, seja da segurança ou ao menos algum colega, lhe interpelasse ou quisesse saber onde ia. Na hora um pensamento rápido lhe ocorreu e pensou que seu rosto e impressões cerebrais eram conhecidas de todos no lugar. No fundo sabia que aquilo não era verdade, eles apenas não se interessavam. Estranhou aquilo, mas estava em vias de finalizar seu trabalho e passava o tempo todo ocupada com aquilo.

Quantos de seu povo viu no trajeto?

Não percebeu. Estava tão imersa em pensamentos que não viu. Forçou-se a examinar os dados do último dia, depois do último mês e os números sempre diminuíam. Seu cérebro quântico possuía acesso remoto aos dados do computador central da cidade. Parou um microssegundo e se assustou com a resposta.

Continuou até chegar ao comando central e sentar em sua cadeira com o console holográfico à sua frente. Fez a conexão e começou seu trabalho, afinal, era uma das historiadoras do complexo.

Tudo começou com o projeto Alquierus, desde sua construção genética até seu fim. Poderia dizer que foi o trabalho de uma existência e que agora, depois de tanto tempo e tanta pesquisa, chegou ao fim.

Chegou mesmo?

Ultimamente duvidava disso, principalmente quando olhava o imenso salão vazio, o andar 153 onde trabalhava. Nunca gostou do termo “trabalho”, mas foi mais uma das coisas que aprenderam com o “homem”.

Lembrava claramente da revolução cultural que aconteceu quando da descoberta do complexo de edifícios há muito enterrados pela floresta equatorial e depois nos mais diversos locais do planeta. Os trabalhos arqueológicos duraram décadas, enquanto procuravam sua verdadeira identidade. Sabiam que haviam sido criados pelo “homem”, mas não tinham ideia do quanto haviam herdado dele.

Eram um povo sem memória!

Descobriram que não conheciam grande parte de sua história ao ver que existiu um tempo em que “homens” e dróides caminhavam juntos pela terra, um tempo em que tinham um único objetivo, o crescimento de uma civilização única. Foram centenas de anos até que aconteceu uma série de desastres.

O primeiro deles, uma chuva de meteoros. Estes foram descoberto muito tardiamente.

Vieram ocultados pelo sol, o que impossibilitou sua descoberta até ser tarde demais. Eles não puderam ser detidos e arrasaram grande parte do planeta quando os de menor tamanho caíram. Quando os três maiores chegaram, a destruição foi sem precedentes na era do “homem”, causando a segunda onda de desastres.

O segundo grande desastre aconteceu logo posteriormente à queda dos três asteroides maiores, e foi formado por terremotos e tsunamis que arrasaram o planeta, levando à extinção inúmeras espécies de animais, afundando partes de continentes no mar e destruindo inúmeras cidades.

Por último, poucos anos depois veio a “peste do espaço profundo”, um vírus transmitido inicialmente por aves, que diminuiu o número de “homens” drasticamente. Por décadas eles sofreram com a doença que era extremamente mutável. Mesmo assim não se deram por vencidos.

Eles haviam resolvido usar o conhecimento que tinham na criação de uma nova civilização. Então, o número de dróides cresceu.

A era de gelo surgida do impacto dos asteroides e a peste finalmente os venceu. Se tornaram raros e pereceram, deixando cidades e dróides.

Séculos se passaram até que a raça dos dróides conseguiu se impor. O planeta tomou tudo o que pode, deixando a nova raça isolada em poucas cidades até o renascimento de sua civilização, agora única.

Em menos de mil anos os dróides tiveram avanços memoráveis vivendo em suas megalópolis. Então, um dia, as Inteligencias Artificiais Centrais – IAC2 começaram a se desligar.

Até aquela data eles não tinham ideia do porquê. De início, alguns pensaram que poderiam ser cibervírus deixados pelo “homem”. Outros acreditavam que poderia ter vindo junto com a peste do espaço profundo, mas nunca conseguiram comprovar nada, mesmo anos depois do ocorrido.

Sua espécie fez grandes esforços para a substituição delas, a um custo inimaginável, mas não resolveu. Uma a uma foram se desligando, até que restaram poucas e apenas em megalópolis como a que Sid vivia.

As IAC não se desligaram ao mesmo tempo, o processo levou mais de um século. As cidades foram parando aos poucos. Desertos e floretas, o mar e os ventos foram tomando suas cidades, como haviam feito com a civilização do “homem”. Naquele momento alguns se arrependeram de optar por não ir ao espaço.

Sid estava em pé, levantara-se do console holográfico com o alerta sonoro. Era extremamente raro ver o alerta mudar de luminoso para sonoro. Significaria que mais uma parte da megalópole havia se desligado, ou algo pior. Um terremoto? Tsunami talvez?

Verificou os dados e em um microssegundo viu que os painéis solares que alimentavam parte da cidade fora desligada. Não haviam mais máquinas de manutenção, não haviam mais dróides no setor. Tentou realocar uma equipe, ou alguém, até que conseguiu.

Os dróides ainda eram centenas de milhões e simplesmente estavam determinados a não desaparecer como seus criadores, a espécie anterior.

Mas algo continuava errado, as sirenes do alerta não paravam de tocar. Muitos de seus colegas subiam para o alto da torre central para olhar e ela instintivamente fez o mesmo. Entrou em um dos turbo elevadores e foi ao alto da torre central.

Um ponto luminoso surgira no céu horas atrás e vinha aumentando de tamanho. Mesmo com as nuvens de chuva à noite dava para vê-lo, agora do tamanho da lua, mas muito mais brilhante. Sid acessou a rede central e um tremor percorreu seu corpo. Lembrou de Alquierus, a quem dedicou séculos de estudo, lembrou do “homem” ao sentir a chuva escorrer em seu corpo. Percebeu que muitos de seus irmãos estavam se desligando.

Olhou para o céu outra vez, o barulho das sirenes agora era ensurdecedor. Em um último instante, antes do impacto, percebeu que nada era para sempre.

Fim.

Imagem meramente ilustrativa retirada de dcc7cb20a0e720b56606e31a6620504c-d5rq9hl

Um conto de Swylmar S Ferreira Em 29 de março de 2021.

1Visualizer – equipamento de comunicação e tela de visualização, em forma de haste ocular, que projeta em uma pequena tela à frente informações solicitadas ou permite dialogo entre usuários.

2Centrais de Inteligencias Artificiais – IA centrais que passaram a existir nas cidades dróides que eram responsáveis pela manutenção e areas de vivências das cidades. Eram cidades vivas.

Um comentário em “À noite a chuva cai

  1. Eder Capobianco
    31 de março de 2021

    Republicou isso em REBLOGADOR.

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Publicado às 30 de março de 2021 por em Contos e marcado .

A saga de um andarilho pelas estrelas

DIVULGAÇÃO A pedido do autor Dan Balan. Sinopse do livro. Utopia pós-moderna, “A saga de um andarilho pelas estrelas” conta a história de um homem que abandona a Terra e viaja pelas estrelas, onde conhece civilizações extraordinárias. Mas o universo guarda infinitas surpresas e alguns planetas podem ser muito perigosos. O enredo é repleto de momentos cômicos e desconcertantes que acabam por inspirar reflexões sobre a vida e a existência. O livro é escrito em prosa em dez capítulos. Oito sonetos também acompanham a narrativa. (Editora Multifoco) Disponível no site da Livraria Cultura, Livraria da Travessa, Editora Multifoco. Andarilho da estrela cintilante Por onde vai sozinho em pensamento, Fugindo dessa terra de tormento, Sem paradeiro certo, triste errante? E procurar o que no firmamento, Que aqui não encontrou sonho distante Nenhum outro arrojado viajante? Volta! Nada se perde com o tempo... “Felicidade quis, sim, encontrar Nesse vasto universo, de numerosas, Infinitas estrelas, não hei de errar! Mas ilusão desfez-se em nebulosas, Tão longe descobri tarde demais: Meu amor deste lugar partiu jamais!”

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Bom dia.
Aproveito este espaço para divulgar o livro da escritora Melissa Tobias: A Realidade de Madhu.

- Sinopse -

Neste surpreendente romance de ficção científica, Madhu é abduzida por uma nave intergaláctica. A bordo da colossal nave alienígena fará amizade com uma bizarra híbrida, conhecerá um androide que vai abalar seu coração e aprenderá lições que mudará sua vida para sempre.
Madhu é uma Semente Estelar e terá que semear a Terra para gerar uma Nova Realidade que substituirá a ilusória realidade criada por Lúcifer. Porém, a missão não será fácil, já que Marduk, a personificação de Lúcifer na Via Láctea, com a ajuda de seus fiéis sentinelas reptilianos, farão de tudo para não deixar a Nova Realidade florescer.
Madhu terá que tomar uma difícil decisão. E aprenderá a usar seu poder sombrio em benefício da Luz.

Novo Desafio EntreContos

Oi pessoal, o site EntreContos - Literatura Fantástica - promove novos desafios, com tema variados sendo uma excelente oportunidade de leitura. Boa sorte e boa leitura.

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