Blog para contos de ficção científica, literatura fantástica e terror
Hoje foi um dia complicado. Acordei cedo com um bando de pássaros cantando nas matas que cercam a casa onde eu moro. Um vento morno e cheirando a mar impregnava todo o litoral, assim como o aroma delicioso de café que sentia quase todos os dias e que vinha da casa ao lado. Estava tão bom que resolvi eu mesmo fazer um para mim. Fiz e tomei!
Resolvi ir para a varanda na parte da frente da casa e sentar. A melhor coisa que fiz por aqui foi fazer este deque, pensei enquanto bebia o meu café, sentado em uma das cadeiras voltadas para o nascer do sol. Aguei as plantas, fui na cozinha e peguei o velho bule – eu só gostava mesmo de café feito nele – e levei para a varanda. Sentei de novo e relaxei com a passarada cantando alto e o vento, agora mais quente um pouco, no rosto.
Estava quase dormindo sentado quando Julio, meu vizinho da casa do café cheiroso, começou a fazer um estardalhaço danado enquanto arrumava a pick-up amarela novinha em folha que ele havia comprado. Ele estava até descabelado e parecia mesmo um tanto quanto assustado. Fez um gesto que interpretei como sendo um bom dia e continuou pegando as coisas que os três filhos dele continuavam a colocar ao lado do carro.
A mulher bonita dele gritava alguma coisa para os meninos que quase corriam trazendo malas, pacotes, bicicletas e outras bugigangas. Julio parecia pegar tudo o que podia para uma fuga rápida, como eu mesmo pensei em fazer dezenas de vezes.
Fiquei olhando por um par de minutos enquanto a família se movimentava até que tive coragem de perguntar.
“O que é que está acontecendo Julio? Está tudo bem com vocês?”
O homem me olhou incrédulo. Eu sentia que ele não nutria grandes sentimentos por mim, mas sempre fui um vizinho muito bom para ele.
“Liga a tv e veja a merdalhança” continuou jogando mais uma caixa de papelão no bagageiro, “está acontecendo desde ontem a noite.”
Parou de repente olhando para mim como se não acreditasse.
“Se eu fosse você eu sairia daqui. Se resolver não ir…” disse ele sorridente “tome conta da minha casa para mim, bro.”
As três crianças e a mulher dele já estavam no carro. Julio deu uma última piscadela, e entrou na pick-up amarela, dando adeus com a mão.
Sempre me chamava de Bro. Era de propósito, só podia ser. Era óbvio que ele sabia que eu odiava aquilo.
“Bro, é o cacete!” Falei alto. Mas tinha certeza de que, como sempre, ele nunca ouvia.
Dentro de casa liguei a TV. “Então foi por isso que Julio estava fugindo com a família.”
Os jornalões televisivos, os streamings, todos noticiavam a presença de uma nave alienígena nos céus do nosso planeta.
Parei em frente a TV, aumentei o volume e fiquei escutando um tempo o que diziam, “… havia sido detectada pela primeira vez entre a Terra e a Lua”… “parece enorme e chegou a ser confundida com um asteroide, mas as autoridades constataram que se tratava mesmo de uma UAP – Fenômenos Aéreos Não Identificados”.
O caos estava instalado. Em todos os canais que eu ligava mostrava apenas aquilo.
“A nave já apareceu e desapareceu em diversos pontos da Terra nas últimas horas”. O jornalista parecia estar tremendo de medo enquanto a tela mostrava a espaçonave surgindo acima de uma grande cidade e desaparecendo em seguida.
E agora? Pensei. O que fazer? Logo agora que Maureen está viajando. Não podia sair de casa assim. Nem tinha ido na lanchonete ainda.
Ouvi o Ciro, vizinho da outra casa batendo a porta e saindo só de roupão para a calçada. Sua cabeça careca parecia reluzir ao sol.
“Viu alguma coisa, velhinho?”
Pensei em mandá-lo para aquele lugar, mas apenas acenei e fiz que não com a cabeça. Foi o suficiente para ele voltar andando lentamente para dentro da casa coçando a bunda embaixo do roupão branco e, passo sim, passo não, cuscuiar o céu azul procurando alguma coisa. Nora, a mulher dele, parecia gritar algo de dentro da casa.
“Tem nada aqui não” disse Ciro ao fechar a porta “o seu Pedro também não viu nada”
Peguei a vespinha e fui para a lanchonete, olhando para os céus uma dúzia de vezes e nada. Cheguei e tentei coloquei a cabeça em ordem. Não conseguia parar de pensar em Maureen.
Atravessei a rua de chão e fui à praia em frente. A areia estava estranhamente fria, devia ser a hora, sempre abro a lanchonete com o sol já bem alto. Entro na água do mar até a canela e o barulho do mar em seu indo e vindo constante me acalma momentaneamente e começo a lembrar de Maureen. Trinta anos juntos não são trinta dias.
“Cuidado!”
Escutei o aviso vindo de algum lugar da praia. Olho ao redor procurando a voz feminina, quase infantil me alertando sobre alguma coisa.
A criança corria alegre atrás de uma bola plástica avermelhada que bateu na minha perna e o mar a devolveu para a menininha, cuja mãe falava ao celular com alguém. Sorri e voltei para a lanchonete.
Fiquei quase até o almoço e não entrou ninguém. Para dizer a verdade, vi apenas mais duas outras pessoas andando pela praia. Dia ruim, era hora de fechar e voltar para casa.
Ao chegar em casa o telefone vibrou. Era uma mensagem de voz de Maureen dizendo simplesmente: “voltando pra casa”. Liguei a TV e a maioria dos canais apenas mostrava as imagens gravadas da nave gigantesca no céu, no meio do oceano.
Da janela da sala vejo Ciro e Nora saindo às pressas de dentro da casa, ele ainda com o roupão, ela descalça e eu começo a rir. Chego na varanda ainda a tempo de vê-los subindo na moto mil e quinhentas cilindradas dele e desaparecerem em direção a estrada. Vou até o meio da rua e vejo uma montanha gigante atravessando lentamente o céu azul e desaparecendo. Outros vizinhos rua acima, também tentam fugir em seus carros. Olho para a vespinha e meu instinto diz que a melhor coisa é fugir dali, mas penso em Maureen. Tenho que esperar por ela.
Entro em casa, deito no sofá e durmo, como sempre, como uma pedra. Acordo com a porta rangendo ao abrir. Era Maureem.
“Você viu aquela astronave?” Ela perguntou antes mesmo de me dar um beijo.
“Sim”, respondo.
Fico olhando para ela tirar os sapatos quase na porta de casa e ir andando com a malinha de mão para nosso quarto e espero tranquilo, na cozinha americana, ela voltar já de blusa, bermuda e descalça para sala e se sentar.
Lembro do dia em que nos conhecemos na praia. Eu tinha ido festejar com uns amigos e dormi na praia. Nunca esqueci, pois tive pesadelos horríveis naquela noite e acordei com o nascer do sol. Maureeen estava ali, em pé, na minha frente. Parecia não saber onde estava, ao ponto de não conseguir falar comigo ou outra pessoa. Ela não entendia nada do que as outras pessoas que estavam chegando na praia falavam. Parecia apenas ter surgido ali, na areia morna da manhã. Linda como um anjo surgindo do nada.
Como sempre passamos o resto da tarde e o início da noite conversando sobre a viagem dela e sobre seus pais. Sempre achei estranho, mesmo depois de tantos anos, nunca os ter conhecido. Ela sempre quis assim.
Maureen queria saber em detalhes o que eu tinha feito nos dias em que ela esteve fora. Contei tudinho, como sempre. De repente ela fez uma pergunta que me surpreendeu.
“Pedro, você está com medo?” Ela me olhava fixamente enquanto mexia lentamente o dedo na tela do celular, sentada na poltrona de frente à minha.
“Acho que não” respondi, mesmo duvidando do que falava.
Ela levantou e sentou no meu colo. Me abraçou, deu-me um beijo e ficamos assim por um tempão.
Fomos dormir e voltei a ter meu sonho recorrente, ou seria pesadelo, onde eu estava deitado nas areias da praia, quase dormindo, observando o céu estrelado quando surge uma mancha escura tingindo uma parte do céu de negro, permitindo enxergar as estrelas apenas ao redor dela. Um feixe de luz azul pálido descia da mancha até a areia, muito perto de mim, e diversas criaturas saiam dela. Eu, como sempre, não conseguia me mexer e era examinado por eles, que inseriam pequenas coisas no meu pescoço, peito, pernas. A dor era tanta que eu nem conseguia gritar. Pensava que ia morrer ali, até que um deles surgia do feixe de luz e os outros imediatamente se afastavam.
Acordei assustado, com lembranças tão vívidas que pareciam ter acontecido naquele momento. Estremeci ao recordar aquela criatura se aproximando e me ajudando a levantar. Estava tão próxima de mim que me tocava o peito com as mãos. Olhei em seu rosto e vi uma beleza profunda que eu jamais esqueceria. Aquele rosto azul marinho, cabelos negros e grandes olhos de cor violeta que tinham luz própria.
Levantei e fui beber água na cozinha. Não acendi as luzes, não precisava, estava em casa. Voltei para o quarto e fiquei em pé ao lado da cama, observando Maureen dormindo sem as cobertas. Adoro vê-la em sua forma original, a pele macia e azul, a boca fina e linda e os grandes cabelos negros se movimentando no travesseiro claro.
Fim
Um conto de Swylmar S. Ferreira em 02 de dezembro de 2024.
Imagem meramente ilustrativa gerada por AI